Com a entrada em vigor da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), o presidente da CRAE, Américo Magalhães, prevê um afastamento da profissão.
Por estarmos disso convencidos, é no pressuposto que o Senhor Provedor de Justiça, o nosso ilustre Professor de Direito, José de Faria Costa, atento como sempre, promova a fiscalização abstracta sucessiva de algumas das normas do diploma 119/2015 de 29 de Junho (DLCP) e que sejam declaradas inconstitucionais e o terramoto passe sem grandes danos, que a Comissão Representativa dos Advogados Estagiários (CRAE) analisa as normas que dizem directamente respeito aos advogados estagiários.
Ontem, dia 1, parece que caiu ‘ o Carmo e a Trindade’ sobre os advogados, estagiários incluídos. Mas na realidade o terramoto estava anunciado há muito tempo, e que apesar de nunca ter sido verdadeiramente discutido, apesar de até ter havido uma petição dirigida à Sra Bastonária, promovida por Advogados no sentido da sua discussão, foi decidido ‘na sombra’ pela direcção da CPAS. A Ordem dos Advogados (O.A) é presidente do Conselho Geral, mas recentemente veio, qual virgem ofendida, trocar comunicados, que revelam, a (falta de) lucidez dos actuais dirigentes destas instituições, quanto à estratégia e soluções.
Em causa estão as normas dos artigos 29º nº1 e 79º nº3 do DLCP, que estabelecem a obrigação de contribuição dos estagiários da ‘segunda fase de estágio’ e que tenham dado ‘início de actividade’.
De acordo com o artº 80º do mesmo diploma, a contribuição mínima será de um quarto da retribuição mensal mínima garantida o que significa cerca de 23 euros por mês.
Há por consequência um extraordinário agravamento das condições de exercício da profissão, incluindo agora os advogados estagiários e logo depois a seguir ao Estágio a situação fica dramática, mesmo insustentável dos recém advogados, que perdem a isenção de até três anos.
a solução passará necessariamente pela revogação das normas que impõem a contribuição dos estagiários e jovens advogados nos primeiros anos de exercício
Os direitos adquiridos pelos advogados que contribuíram ao longo de décadas estão em crise, e para garantir esses direitos, a imaginação da direcção da CPAS e da OA foi muito curta, a rondar o absurdo.
O que Marinho e Pinto, ex Bastonário, não conseguiu com exames de acesso (julgados inconstitucionais, Acórdão TC 3/2011 processo 561.10), com aumento desproporcional e injustificado de emolumentos (também julgados inconstitucionais, Acórdão TC 241/15 processo 830.14), tendo sido a OA condenada a reembolsar os estagiários, que resultará em cerca de 2 milhões de euros, com exames estapafúrdios, conseguirá a direcção da CPAS pela via financeira desmotivar para o exercício da profissão. Restarão as grandes sociedades, que (seja qual for o mérito) açambarcam a fatia de leão da advocacia.
Mas vejamos então em súmula:
Desde logo o advogado estagiário, apesar de inscrito na Ordem, não tem direito a participar nas decisões, não pode votar deliberações. O mesmo é dizer que não foi ouvido ou achado. Ora um cidadão que não pode expressar o seu entendimento nem participar nas decisões de uma instituição, que não pode ser eleito nem sequer votar, é contra todas os princípios de direito e viola direitos fundamentais.
Por outro lado, a Ordem obriga o estagiário a praticar pelo menos 15 actos da profissão nos termos estabelecidos pelos Estatutos (art.o 29º c) RNE, deliberação no 3333-A/2009 com as actualizações), para poder candidatar-se ao exame final de estágio (agregação), e também de acordo com os mesmos estatutos, não é garantido que possa ser retribuído por isso.
A hipotética possibilidade de haver patronos que remuneram os seus estagiários pelos actos praticados, não passa disso, é uma possibilidade.
De mais a mais, a actividade de advocacia em Portugal não é apenas exercida pelas sociedades de advogados dos grandes centros, que podem até ter por regra remunerar os seus estagiários. A CPAS não faz distinção se o advogado é de Lisboa a auferir 1500 euros, ou de Freixo de Espada à Cinta a ser remunerado em batatas (perdoem-nos os visados mas é uma figura de retórica).
De realçar e por outro lado, sabemos que praticamente todas as sociedades de advogados impõem como condição prévia que o estagiário registe o seu início de actividade, mesmo antes de começar a receber, sendo certo que não é certo que irá ser remunerado.
A CPAS, a Ordem dos Advogados e mesmo o Legislador teriam de saber que a declaração de início de actividade não tem necessariamente de corresponder a rendimentos. Iniciamos a actividade para poder praticar actos de advogado, competência do estagiário.
Antes os estagiários podiam realizar escalas e oficiosas (art.o 29º b) do RNE), inscrever-se no regime de acesso ao direito, mas veio mais uma vez no mandato de Marinho e Pinto, por mera deliberação do Conselho Geral o Estagiário apenas pode realizar a consulta jurídica no sistema de Acesso ao Direito, em contradição com o aprovado no RNE. Mesmo que viessem receber tardiamente do Estado pelos serviços prestados, as ‘oficiosas’ sempre tinham o mérito de promover a prática do estagiário, a final o objectivo do Estágio, e garantir algum rendimento.
Coloca-se ainda a questão dos meios que o estagiário (não) terá para pagar pontualmente até ao final de cada mês os tais 23 euros, dado que muitas das vezes o cliente paga tarde ou nem paga. O recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2015 Processo no 398/09.5talgs.e1 – A.S1, veio pronunciar-se relativamente ao abuso de confiança, onde só será crime se o fiel depositário tiver efectivamente recebido. Um bom exemplo.
Mas o DLCP determina sanções pesadas ao incumpridor (art.º 82ºe 83º DLCP), mesmo que não tenha recebido.
Na prática, a menos que o cometa o crime de evasão fiscal, terá que declarar o início de actividade junto da Administração Tributária (AT) para registar os rendimentos resultantes de honorários, pecuniários ou em bens, ajudas de custo, subsídios de refeição, transporte…
Finalmente, a AT anda doida a penhora por qualquer coisa, e ainda não se lembrou de presumir rendimentos aos estagiários pela prática de actos de advogado. Os estagiários da magistratura recebem pelo seu Estágio, e ninguém se convence que estamos na era da escravatura e o Advogado Estagiário paga o seu estágio, como se fosse uma propina de Mestrado, e que trabalha, pratica actos de advogado durante um ano e meio sem receber.
Resultado disto tudo será a desmotivação e a deserção de estagiários e advogados em início de carreira, que ‘a final’, será o efeito real e não o reforço da sustentabilidade da CPAS, e que terá (teria, acreditamos nós) um efeito perverso.
Já estávamos habituados a absurdos, mas ainda podemos ficar surpreendidos!
Por último, a solução passará necessariamente pela revogação das normas que impõem a contribuição dos estagiários e jovens advogados nos primeiros anos de exercício, caso contrário teremos instabilidade social, e ocupar os tribunais com processos evitáveis.
Dr. Américo Magalhães, presidente da Comissão Representativa dos Advogados Estagiários (CRAE)
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