Incumbe ao Advogado o exercício do patrocínio forense, o qual se encontra constitucionalmente consagrado nos termos do disposto no artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, a profissão de Advogado, sendo verdadeiramente exigente, reveste-se ainda de manifesto interesse público, devendo ser exercida com inquestionável qualidade e total insusceptibilidade de, mais ou menos amiúde, propiciar a lesão dos interesses dos destinatários dos serviços prestados pelo Advogado.
Daqui resulta, desde logo, a importância de se gizar uma solução com acerto cabal no que se reporta aos requisitos de acesso à profissão e da preparação dos candidatos à advocacia.
A Ordem dos Advogados constitui, pois, o primeiro e fundamental crivo na selecção dos profissionais mais bem preparados para o exercício da profissão, sendo que esta selecção corresponde ao cumprimento de um dever que a Ordem dos Advogados tem perante a sociedade.
Sempre defendi frontalmente uma restrição séria ao acesso à profissão de Advogado, porquanto o impõe a matriz essencial da mesma, norteada por princípios como o da independência, adequando, desta forma, os critérios de selecção às exigências e necessidades de cada momento histórico e da evolução da própria sociedade.
Uma profissão que esteja completamente massificada, em virtude de uma certa facilitação no momento do ingresso na mesma, é uma profissão que se degrada, com repercussões inelutáveis para os cidadãos e para as empresas (aqueles que constituem, verdadeiramente, a razão de ser do Advogado). Por um lado, é absolutamente imprescindível que a Ordem dos Advogados apenas acredite os melhores, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista deontológico e ético. Por outro lado, o estágio assume uma relevância extrema na formação de um candidato à advocacia.
Não é, de facto, uma constatação recente ser imperioso remodelar as condições de acesso à profissão de Advogado. Em abono da verdade, já o defendi por diversas vezes, desde há muito tempo e em inúmerassedes.
Importa ressalvar, porém, que as recentemente anunciadas alterações, relativamente ao modelo de estágio e aos requisitos de acesso à profissão, advêm, essencialmente, da necessidade de adequação dos Estatuto da Ordem dos Advogados à denominada Lei das Associações Públicas Profissionais – Lei 10/2013 de 10/01[1] – mormente no que tange àquelas normas que ficaram subtraídas à disponibilidade de regulação por parte das respectivas ordens profissionais.
Assim, até à presente data, a duração do estágio tem sido mais alargada e os candidatos à advocacia são avaliado sem dois momentos díspares (logo após a conclusão de um breve período de formação, ministrado pela própria Ordem dos Advogados e, novamente, no final do estágio).
Já a Lei N.º 10/2013 (Lei das Associações Públicas Profissionais) prevê uma diminuição do período de estágio para dezoito meses e a existência de apenas uma ocasião de avaliação.
Até ao momento também não é exigido o grau de mestre para o ingresso na Ordem dos Advogados, já que o artigo 187.º do Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece, como requisito para inscrição, apenas o grau de licenciado em direito.
Porém, sempre se me afigurou pertinente uma interpretação actualizadora deste preceito estatutário, por se tratar de uma norma que entrou em vigor numa circunstância em que as licenciaturas em direito tinham a duração de cinco anos. Sucede que, por força do Processo de Bolonha, as componentes curriculares dos cursos de direito sofreram uma redução significativa (para quatro, ou mesmo, para três anos, em alguns casos).
A Ordem dos Advogados, em face desta nova realidade, sempre terá de se certificar que os recém-licenciados têm os conhecimentos necessários para serem Advogados e tentar aproximar os requisitos de inscrição àqueles que enformaram o espírito que orientou o legislador do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Convém não olvidar o facto de outras profissões jurídicas imporem idêntico requisito para o acesso às mesmas. Com efeito, os Advogados fazem parte do Tribunal, juntamente com os Juízes e os Magistrados do Ministério Público, resultando claro que, por razões relativas à igualdade e ao nivelamento no grau de preparação destes profissionais, uma clivagem de tal ordem, no que respeita à sua formação e qualificação técnica, não é compaginável com a boa administração da justiça.
Quanto ao estágio, este deverá ser composto por um plano de formação de excelência, exigente e tendencialmente vocacionado para a prática, com o correspondente acompanhamento pelo patrono, devendo sempre ser estruturado de acordo com as necessidades que o Advogado sentirá no decurso da sua carreira profissional. Da minha perspectiva, esta deverá ser a grande preocupação e o grande desafio ao nível da formação inicial do Advogado: uma verdadeira alteração de paradigma.
Uma Advocacia qualificada e tecnicamente apta sempre representará uma melhor justiça e este pensamento deve presidir a qualquer modelo que venha a ser adoptado, devendo motivar igualmente os jovens candidatos à advocacia, porquanto uma formação mais eficiente e mais rigorosa lhes confere maior segurança para o exercício da nobre profissão de Advogado, de acordo com os ditames técnicos e deontológicos que a devem comandar.
Ana Sofia de Sá Pereira
Advogada | Presidente do IAJA | Vogal do Conselho Geral da OA
[1] Publicada em Diário da República, 1.ª Série N.º 7 – 10.01.2013.
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