O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que, provando-se a existência de quatro janelas abertas sobre um prédio vizinho há mais de vinte anos, de forma pacífica e sem qualquer oposição, estão reunidos os requisitos para a constituição de uma servidão de vistas por usucapião, embora não podendo os estores dessas janelas serem substituídos por portadas metálicas a abrir para o exterior e sobre o prédio vizinho.
O caso
Os proprietários de um imóvel intentaram uma ação contra os proprietários do prédio vizinho pedindo para que estes fossem condenados a tapar uma janela existente na sua casa e a retirarem as portadas que tinham instalado noutras três janelas. Para o efeito alegaram que os vizinhos tinham aberto recentemente uma quarta janela na sua casa, que dava diretamente para o seu prédio, uma vez que entre a aquela e o prédio não havia qualquer faixa de terreno, sendo a parede o limite do mesmo, e que tinham instalado portadas exteriores em todas as janelas, as quais, ao abrirem e fecharem, invadiam o espaço aéreo do seu prédio. Os vizinhos contestaram alegando que o imóvel tinha mais de 100 anos e que sempre tivera quatro janelas, utilizadas sem qualquer oposição, e deduziram reconvenção pedindo para que fosse declarada constituída a seu favor uma servidão de vistas, exercida através dessas quatro janelas. O tribunal julgou a ação parcialmente procedente, condenando os vizinhos a taparem a quarta janela e a retirarem as portadas colocadas nas restantes janelas, decisão da qual recorreram para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou parcialmente procedente o recurso, absolvendo os réus do pedido para taparem a janela, condenando-os a retirarem as portadas colocadas nas quatro janelas e declarando constituída a favor desses mesmos réus uma servidão de vistas exercida através dessas quatro janelas.
Decidiu o TRG que, provando-se a existência de quatro janelas abertas sobre um prédio vizinho há mais de vinte anos, de forma pacífica e sem qualquer oposição, estão reunidos os requisitos para a constituição de uma servidão de vistas por usucapião, embora não podendo os estores dessas janelas serem substituídos por portadas metálicas a abrir para o exterior e sobre o prédio vizinho.
Discutindo-se, entre proprietários de prédios confinantes, a existência de janelas abertas na casa dos réus, com portadas, alegadamente em desrespeito pelo intervalo de metro e meio e ocupação do espaço aéreo dos autores, impende sobre estes, enquanto vizinhos lesados, provar a exata localização da estrema do seu prédio. E cabe aos réus provar os factos integrantes da alegada constituição de servidão de vistas onerando o prédio vizinho em benefício do seu.
A pertença da controversa faixa de terreno onde os dois prédios confluem pode ser feita por qualquer meio de prova que demonstre a existência de certos nexos, materiais e funcionais, reveladores da ligação dessa parcela a um ou a outro prédio. Resultando absolutamente claro que a estrema de um prédio coincide com a parede da casa confinante na qual estão abertas quatro janelas, apenas sendo controversa a data da abertura de uma delas, a prova desse facto não tem de ser realizada em termos demasiado exigentes, absolutos ou quase científicos, mas apenas pautar-se por padrões que tenham em conta as circunstâncias do caso e a ideia de realização da justiça concreta.
Sendo certo que as provas têm por função demonstrar a realidade dos factos e que a dúvida sobre essa realidade resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, não pode essa dúvida assentar numa apreciação e valoração errada da prova, originada pela adoção de um padrão desmesuradamente exigente, exacerbado pela hipervalorização de ínfimos detalhes, não consentâneo com os padrões jurisprudenciais dominantes, nem com as regras da experiência comum. Nesse sentido, um facto deve considerar-se como provado quando os meios demonstrem um alto grau de probabilidade, e não uma mera verosimilhança ou simples possibilidade, de realmente, de acordo com as regras da experiência e as perceções do homem médio, ter acontecido.
Nesse sentido, tendo em conta a prova produzida, nomeadamente o depoimento de testemunhas que, tendo realizado obras na casa em 1998, afirmaram já existirem na altura as quatro janelas, as imagens do local, sem qualquer indício de intervenções que pudessem estar na origem da abertura de uma nova janela após a construção do edifício, e as plantas apresentadas em 1998 na câmara, onde também já constavam as quatro janelas, entendeu o TRG não existirem razões para duvidar da existência das quatro janelas pelo menos desde essa data e que certamente sempre teriam existido, sendo contemporâneas da edificação da casa, ocorrida em 1937.
Não tendo a quarta janela sido aberta recentemente, antes sendo, tal como as outras três, contemporânea da edificação da casa, estão reunidos todos os requisitos legais para, em relação às quatro janelas, se ter constituído uma servidão de vistas, mesmo não respeitando o distanciamento legalmente exigido face ao prédio vizinho, uma vez que a existência de janelas em contravenção do disposto na lei pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.
Já relativamente às portadas, como, depois de constituída a servidão de vistas por usucapião, o proprietário dominante só pode exercer o seu direito em harmonia com o respetivo título ou de acordo com o que seja necessário para o seu uso e conservação, não pode o mesmo, depois de constituída a servidão em relação a um determinado tipo de janela, com estores, retirar esses estores e colocar portadas metálicas a abrir para o exterior, uma vez que tal corresponde a uma alteração, quer do modo de exercício da servidão, quer da extensão da mesma, razão pela qual deve ser ordenada a retirada dessas mesmas portadas.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 2267/18.9T8BCL.G1, de 10 de setembro de 2020
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