O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, na ação de investigação de paternidade, os efeitos pessoais e patrimoniais decorrentes do estabelecimento da filiação não podem ser dissociados, ainda que fique provado que o filho agiu apenas movido por interesses financeiros.
O caso:
Aos 20 anos de idade, uma mulher entrou em contacto, por carta, com o seu pretenso pai para que esta a reconhecesse como sua filha ou, pelo menos, a ajudasse financeiramente.
Como ele se recusou a fazê-lo, a filha intentou contra ele uma ação de investigação da paternidade no âmbito da qual foram recolhidos vestígios de ADN que confirmaram que ele era efetivamente o seu pai.
Perante esse resultado, o homem, alegando abuso de direito por parte da filha, defendeu a possibilidade de separar os efeitos patrimoniais e os efeitos pessoais do reconhecimento da paternidade, para que este últimos fossem excluídos, mas o tribunal não acedeu ao seu pedido e reconheceu a paternidade, ordenando que fosse efetuado o correspondente averbamento no assento de nascimento da filha.
Inconformado com essa decisão, o homem recorreu para o Tribunal da Relação e depois para o Supremo Tribunal de Justiça.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça:
O Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso ao decidir que, na ação de investigação de paternidade, os efeitos pessoais e patrimoniais decorrentes do estabelecimento da filiação não podem ser dissociados, mesmo quando fique provado que o filho agiu apenas movido por interesses financeiros.
Segundo o STJ, o vínculo da filiação não se cinge ao direito à identidade pessoal, gerando igualmente para os envolvidos na relação parental efeitos pessoais, nos quais se compreendem, além da afetividade e da prestação de assistência moral, a obrigação de criação e educação dos filhos, e efeitos patrimoniais, entre os quais se destaca a obrigação alimentar e o direito à herança.
Sendo que o princípio da igualdade de filiação impõe que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adopção, tenham os mesmos direitos.
Razão pela qual, na investigação de paternidade, não podem dissociar-se os efeitos pessoais dos patrimoniais, sob pena de violação do princípio da indivisibilidade ou unidade do estado.
Em consequência, ainda que fique provado que, ao intentar a ação, o investigante apenas tinha em vista vir a receber o património do pai, não é possível restringir os efeitos pretendidos por aquele ao seu estatuto pessoal.
Mas mesmo que se admitisse essa possibilidade, com fundamento em abuso de direito por parte de quem pede para ser reconhecido como filho com a única intenção de vir a beneficiar da herança do pai, o mero exercício desse direito ao fim de vários anos não é suficiente para ser considerado abusivo.
Isto porque, segundo o STJ, a modalidade de abuso de direito, que impossibilita o exercício deste quando o seu titular, por o não ter exercido durante muito tempo, tenha criado na contraparte uma fundada expectativa de que já não seria exercido revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável, não encontra eco na nossa jurisprudência quando desacompanhado de outros elementos que não apenas o decurso temporal.
O facto de, perante a sucessiva indiferença e recusa do seu pai em reconhecê-la como filha, esta ter falado na possibilidade de ser alcançado um acordo financeiro, não pode ser descontextualizado de tudo o resto, designadamente das diversas tentativas de aproximação que a mesma fez sem qualquer sucesso, nem servir para daí concluir que agiu de forma abusiva.
Via | LexPoint
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