O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que integra a prática de contraordenação a conduta da entidade patronal que, no âmbito de um processo de reorganização e reestruturação, sem instaurar qualquer processo de despedimento por extinção do posto de trabalho, mantém o trabalhador sem exercer quaisquer funções, face à sua recusa em celebrar acordo de cessação do seu contato de trabalho, não obstante saber que tal lhe provocava sentimentos negativos de angústia, humilhação e desgaste psicológico.
O caso
Uma empresa de produtos petrolíferos foi punida com uma coima de 20.000 euros pela prática de uma contraordenação muito grave relacionada com assédio laboral.
Em causa estava o facto da empresa ter colocado trabalhadores em situação de desocupação, sem que estivessem a exercer a atividade para a qual tinham sido contratados, como resposta ao facto de não terem aceitado rescindir os seus contratos de trabalho depois da empresa ter deixado de ter colocação para eles em resultado de um processo de restruturação e reorganização interna.
Discordando dessa condenação e defendendo que a desocupação dos trabalhadores constituíra uma consequência inevitável da reestruturação efetuada e da consequente impossibilidade de os manter nos seus anteriores postos de trabalho e de lhes atribuir novas funções, nada mais podendo fazer para resolver a situação, face à recusa dos trabalhadores em aceitarem as propostas que lhes apresentara de cessação dos respetivos contratos de trabalho, a empresa recorreu para tribunal.
Este julgou parcialmente procedente a impugnação, reduzindo a coima para 12.5000 euros, decisão da qual foi interposto recurso para o TRP.
Apreciação do Tribunal da Relação do Porto
O TRP negou provimento ao recurso ao decidir que integra a prática de contraordenação a conduta da entidade patronal que, no âmbito de um processo de reorganização e reestruturação, sem instaurar qualquer processo de despedimento por extinção do posto de trabalho, mantém o trabalhador sem exercer quaisquer funções, face à sua recusa em celebrar acordo de cessação do seu contato de trabalho, não obstante saber que tal lhe provocava sentimentos negativos de angústia, humilhação e desgaste psicológico.
Gozando o trabalhador do direito à sua integridade física e moral, a lei define como assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
Neste ponto, embora alguns defendam que o assédio pressupõe a existência de uma intenção persecutória, ainda que não necessariamente com a intenção de expulsar a vítima da empresa, e para outros o essencial não sejam tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas, da lei não resulta que, para efeitos da prática da contraordenação em causa, no assédio tenha de estar presente o objetivo de afetar a vítima, bastando que este resultado seja efeito do comportamento adotado pelo assediante, seja por dolo ou mera negligência.
No caso, na sequência da recusa dos trabalhadores em aceitarem propostas de cessação dos seus contratos de trabalho, a empresa assumiu uma conduta especificamente direcionada a esses trabalhadores de retirada de quaisquer funções, em vez de lhes instaurar processos de despedimento por extinção dos postos de trabalho, sabendo, inclusive, que essa situação lhes provocava sentimentos negativos de angústia, humilhação e desgaste psicológico. Tanto basta para ter esse seu objetivo final como ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, preenchendo desse modo todos os elementos exigidos para a verificação do conceito de assédio moral.
Nada repugnando que nessas circunstâncias se tenha optado por punir a empresa apenas a título de negligência, entendida como uma atuação do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz, considerando que da factualidade provada apenas resultou sem dúvidas que se omitiu o especial dever de cuidado que impendia sobre a entidade patronal.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 4881/16.8T8MTS.P2, de 18 de dezembro de 2018
Subscreve a newsletter e recebe os destaques do UDIREITO.