O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que não tendo ficado explicitamente estabelecido e decidido, por acordo entre os ex-cônjuges, que a atribuição da casa de morada da família a um deles dependeria de uma contrapartida pecuniária a prestar ao outro, fica excluída a possibilidade deste último vir ulteriormente pedir e obter essa mesma contrapartida pecuniária.
O caso
Um casal divorciou-se em 2013, tendo ficado estabelecido por acordo judicialmente homologado que a casa de morada de família era atribuída a ele até que fosse realizada a partilha, tendo ele ficado também com a guarda da filha menor.
Ela deixou, assim, de viver na casa, tendo posteriormente instaurado o processo de inventário para partilha dos bens por divórcio. Nesse processo, o ex-marido indicou que ela lhe devia metade do valor das prestações do empréstimo da casa, que ele tinha pago, tendo ela reclamado contra a não consideração de alguns bens.
Inconformada, ela recorreu a tribunal pedindo para que o ex-marido fosse condenado a reconhecer que determinados bens integravam o património comum do ex-casal e que não lhe devia o montante correspondente a metade do valor das prestações do empréstimo contraído por ambos. Subsidiariamente, pediu o reconhecimento de um crédito sobre o ex-marido referente ao uso exclusivo da casa de morada de família após a separação do casal.
O tribunal julgou a ação parcialmente procedente, condenando o ex-marido a reconhecer determinados bens móveis como fazendo parte do património comum do casal e que não lhe era devido o pagamento de metade do valor das prestações do empréstimo até à altura do divórcio, tendo direito a receber metade do que tinha pago depois da entrada do pedido de divórcio.
Inconformada, ela recorreu para o TRG defendendo que era abusivo ter que pagar metade do valor das prestações do empréstimo e reclamando o pagamento de uma compensação pela utilização exclusiva da casa de morada de família, que era um bem comum do casal.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou improcedente o recurso ao decidir que não tendo ficado explicitamente estabelecido e decidido, por acordo entre os ex-cônjuges, que a atribuição da casa de morada da família a um deles dependeria de uma contrapartida pecuniária a prestar ao outro, fica excluída a possibilidade deste último vir ulteriormente, em ação declarativa comum, pedir e obter essa mesma contrapartida pecuniária, unicamente fundamentada nesse direito, que eventualmente lhe assistiria, mas que do mesmo acordo não fez constar.
Não constando do acordo outorgado qualquer pagamento pela atribuição do uso da habitação da casa de morada de família, qualquer declaratário normal entenderá que tal aconteceu porque as partes o não quiseram convencionar, pois se o quisessem tê-lo-iam deixado expresso.
No entanto, isso não significa que qualquer um dos ex-cônjuges se veja privado de recorrer a tribunal, a fim de alterar a decisão ou o acordo incidente sobre a atribuição da casa de morada da família. Pelo contrário, sempre assistirá ao ex-cônjuge que se veja posteriormente desfavorecido com tal acordo alterar tal resolução tomada em processo de jurisdição voluntária, lançando mão do processo ou incidente de atribuição ou alteração da casa de morada da família.
Não obstante, essa alteração, que só produzirá efeitos para o futuro, com recurso aos meios processuais próprios da jurisdição voluntária, pressupõe necessariamente a alegação e demonstração de uma alteração superveniente das circunstâncias que estiveram na base daquele acordo.
Tendo a autora se limitado a reclamar um crédito fundamentado unicamente numa compensação pecuniária que alegadamente lhe era devida pelo uso exclusivo, pelo ex-marido, de um bem que fazia parte do património comum do ex-casal, na ausência de acordo que previsse essa compensação, sem pedir a alteração desse mesmo acordo e sem invocar nem provar quaisquer circunstâncias supervenientes e desfavoráveis face ao acordo inicialmente celebrado que pudessem justificar essa alteração, para o futuro, tinha que improceder o seu pedido.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 423/17.6T8GMR.G1, de 14 de junho de 2108
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