O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que o cônjuge a quem não tenha sido atribuída a utilização da casa de morada de família não pode, mediante mera ação declarativa comum, exigir do outro o pagamento de uma compensação por essa utilização exclusiva sem que essa obrigação tenha ficado prevista no acordo de divórcio.
O caso
Uma mulher agiu judicialmente contra o seu ex-marido pedindo para que este fosse condenado a pagar-lhe um valor mensal de 125 euros enquanto se mantivesse a habitar a casa que tinha sido de morada de família e até à venda da mesma ou ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação de divisão de coisa comum. Subsidiariamente, pediu que ele fosse condenado a deixar o imóvel livre de pessoas e bens a fim do mesmo ser colocado no mercado de arrendamento, repartindo-se entre ambos o produto desse arrendamento.
Fê-lo alegando que casa tinha sido objeto de partilha após o divórcio, tendo sido adjudicada a ambos, em regime de compropriedade, pelo que tinha direito a receber metade dos rendimentos que o imóvel estava apto a produzir.
O ex-marido não contestou, mas a ação mesmo assim foi julgada totalmente improcedente, tendo em conta que, por acordo alcançado no processo de divórcio, a casa tinha sido atribuída a ele até à partilha, sem que tivesse sido estipulado o pagamento de qualquer compensação, decisão da qual foi interposto recurso para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou improcedente o recurso ao decidir que o cônjuge a quem não tenha sido atribuída a utilização da casa de morada de família não pode, mediante mera ação declarativa comum, exigir do outro o pagamento de uma compensação por essa utilização exclusiva sem que essa obrigação tenha ficado prevista no acordo de divórcio.
Ao prever a possibilidade do juiz proferir decisão provisória acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo, a lei permite a atribuição do bem imóvel a título gratuito ou oneroso, mediante o pagamento de uma compensação, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges.
Assim, dependendo o direito a uma compensação pelo uso exclusivo da casa de morada pelo outro cônjuge de uma ponderação judicial, ele só existe se o juiz o tiver efetivamente atribuído na decisão oportunamente proferida sobre tal matéria, não podendo ser reconhecido através da propositura de uma ação posterior.
Tendo os cônjuges, mediante acordo judicialmente homologado, estipulado que a casa fosse atribuída a ele, sem preverem o pagamento de qualquer compensação pecuniária por esse uso exclusivo da casa, deve esse acordo ser interpretado no sentido de que as partes não contemplaram o pagamento de qualquer quantia como contrapartida da utilização do imóvel, não sendo admissível a sua modificação substancial em termos de converter a utilização prevista no acordo numa utilização subordinada ao pagamento de uma quantia pecuniária.
Nesse sentido, não existe fundamento bastante para obter o reconhecimento ulterior de tal obrigação, que não decorre automática e necessariamente dessa atribuição provisória, pressupondo antes uma valoração judicial constitutiva que, no caso, se não verificou.
Na verdade, se bem que à autora assistisse a possibilidade de obter a revisão desse acordo, pois que o destino da casa de morada de família, pese embora tivesse sido decidido no âmbito de um processo de divórcio, incidiu sobre matéria sujeita à jurisdição voluntária e, nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas com fundamento em circunstâncias supervenientes que o justifiquem, a verdade é que veio a realizar-se a partilha do bem sem que ela tivesse lançado mão de tal faculdade, pelo que não lhe assiste depois o direito a ser compensada. Nem mesmo por apelo às regras do enriquecimento sem causa, uma vez que a situação de permanência do ex-marido na casa de morada de família encontra justificação na própria inércia da autora relativamente ao acionamento do mecanismo processual previsto na lei para efeitos de atribuição da casa de morada de família e no acordo entre ambos celebrado, que não contempla a estipulação de qualquer compensação.
Como tal, não existe fundamento para impor ao réu a obrigação de pagar uma compensação pelo facto de estar a utilizar o imóvel de modo exclusivo, nem a obrigação de o desocupar a fim do mesmo ser colocado no mercado de arrendamento. Com efeito, ambos, na qualidade de comproprietários, têm direito a usar o imóvel comum, sendo que a administração da coisa comum depende do acordo de ambos os consortes, por nenhum reunir em si a maioria, pelo que o pretendido arrendamento do imóvel só poderá concretizar-se com o acordo de ambos.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 1448/17.7T8BRG.G1, de 15 de novembro de 2018
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