O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais não configura, por regra, causa prejudicial ao processo de atribuição de casa de morada de família que obrigue à suspensão deste enquanto não estiver decidida a ação de regulação de responsabilidades parentais.
O caso
Na sequência do divórcio, uma mulher intentou uma ação de atribuição de casa de morada de família contra o seu ex-marido, pedindo para que lhe fosse atribuída a casa de que ambos eram proprietários e na qual ele residia face ao superior interesse dos seus dois filhos que com ela viviam, à necessidade da casa e às suas condições económicas.
O ex-marido contestou alegando que a mulher não necessitava da casa por dispor de outra facultada gratuitamente pelos pais, que ela o queria forçar a sair da casa para depois ficar com ela e que o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais ainda estava a decorrer e a sua conclusão era essencial para a decisão da atribuição da casa de morada de família. Pelo que pediu que a instância do processo fosse suspensa até que fosse proferida decisão no processo de regulação de responsabilidades parentais. O tribunal indeferiu esse pedido de suspensão de instância, decisão da qual foi interposto recurso para o TRP.
Apreciação do Tribunal da Relação do Porto
O TRP julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida, ao decidir que a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais não configura, por regra, causa prejudicial ao processo de atribuição de casa de morada de família que obrigue à suspensão deste enquanto não estiver decidida a ação de regulação de responsabilidades parentais.
Diz a lei que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. Assim será quando o facto que se discute na causa prejudicial possa influenciar e modificar os fundamentos da causa dependente, o que se deve evitar por uma questão de economia e coerência dos julgamentos entre duas ações pendentes que apresentem entre si uma especial conexão.
É certo que, na atribuição da casa de morada da família, um dos fatores a atender pelo tribunal é o interesse dos filhos do casal em residirem na casa de morada de família com o progenitor guardião sendo, por isso, necessário saber a quem se encontra atribuída a guarda dos filhos.
No entanto, essa questão, regulada como processo de jurisdição voluntária e prevista como efeito do divórcio, constitui um incidente autónomo, a tramitar como processo de jurisdição voluntária, por apenso ao processo de divórcio. E uma das consequências de se estar em pleno domínio de jurisdição voluntária é que as resoluções podem sempre ser alteradas com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem essa alteração.
Pelo que não existe necessariamente uma relação de prejudicialidade entre a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas a um menor e a decisão sobre a atribuição da casa de morada da família, por efeito do divórcio, a um dos seus progenitores, pois esta última pode sempre ser modificada no caso de alteração relevante das circunstâncias que foram o seu pressuposto, como seja a da residência de um filho com um ou com o outro dos membros do casal dissolvido.
Assim, mesmo não estando ainda regulada de forma definitiva a atribuição da guarda dos menores, mas apenas fixado a título provisório o regime da residência alternada, nenhum benefício resultaria da suspensão da instância do processo de atribuição de casa de morada de família.
Só quando as vantagens obtidas com a suspensão do processo de jurisdição voluntária sejam claramente superiores ao que sucederia se a instância prosseguisse é que se deve suspender o prosseguimento dos mesmos, raciocínio mais exigente quando possa estar em causa o interesse de uma criança.
No caso, embora seja necessário saber a quem foi atribuída a guarda dos menores, por ser um fator a ponderar na decisão da atribuição da casa de morada de família, dispondo o tribunal de informação sobre essa atribuição de guarda, ainda que em termos provisórios, e de meios para aferir atualmente qual a decisão que, ao atribuir a casa de morada de família, melhor irá salvaguardar o interesse dos menores, nada permite concluir que seja melhor para as partes e para os menores suspender a instância e não proferir decisão. Até porque, em situações em que os pais vivem intensamente as suas posições processuais, como será o caso, uma indefinição de decisão do que é melhor para os menores sempre lhes será prejudicial.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 22918/16.9T8PRT-H.P1, de 20 de fevereiro de 2020
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