O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que, uma vez cessada a união de facto, devem ser aplicadas as regras que eventualmente tenham sido acordadas e, na sua falta, o direito comum das relações obrigacionais e reais quanto ao património que tenha sido adquirido durante a relação, com o contributo de ambos.
O caso
Em julho de 2006, um casal, após alguns meses de namoro, decidiu viver junto, tendo ido viver para casa dos pais dela. Em agosto desse ano abriram uma conta bancária comum, da qual passaram a sair as prestações do empréstimo da casa que adquiriram em conjunto, em dezembro de 2007, e onde passaram a residir.
Nessa altura, em busca de um trabalho mais bem pago, ele emigrou, primeiro para Espanha e depois para França, mantendo sempre a relação um com o outro. Contudo, ao longo do tempo, ele foi passando cada vez menos tempo em Portugal e sempre em casa dos pais.
A relação acabou por terminar, em abril de 2014, tendo ela recorrido a tribunal pedindo para que fosse reconhecida a existência da união de facto e do património comum do casal, adquirido na vigência dessa união com as economias de ambos, bem como o direito dela sobre a meação desses bens e valores depositados em contas bancárias.
O tribunal reconheceu a existência da união de facto e que a conta bancária aberta por ambos e o imóvel eram propriedade dos dois, condenando o réu a reconhecer o direito da autora sobre metade de determinados bens e a pagar-lhe a quantia de 5.050 euros. Desta decisão foi interposto recurso para o TRP.
Apreciação do Tribunal da Relação do Porto
O TRP julgou improcedente o recurso ao decidir que, uma vez cessada a união de facto, devem ser aplicadas as regras que eventualmente tenham sido acordadas e, na sua falta, o direito comum das relações obrigacionais e reais quanto ao património que tenha sido adquirido durante a relação, com o contributo de ambos.
A lei confere às pessoas que vivam em união de facto alguma proteção, conferindo-lhes direitos que normalmente são atribuídos aos cônjuges, nomeadamente na área das prestações sociais, proteção da casa de morada de família e residência comum. Não obstante, a união de facto só tem os efeitos que a lei lhe atribuir, não sendo legítimo estender-lhe as disposições referentes ao casamento.
Neste sentido, não existe na união de facto um regime de bens, nem têm aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento. Finda a união de facto, como não existem bens comuns sujeitos a partilha, ao contrário do que se passa no casamento, devem ser aplicadas as regras que eventualmente tenham sido acordadas e, na sua falta, o direito comum das relações obrigacionais e reais.
Poderá, porém, haver lugar à liquidação do património do ex-casal unido de facto segundo os princípios das sociedades de facto quando se verifiquem os respetivos pressupostos. E a jurisprudência também tem admitido que a partilha do património adquirido pelos unidos de facto se pode efetuar através duma ação em que um dos membros da ex-união que se considere empobrecido peça a condenação do outro a reembolsá-lo com fundamento no enriquecimento sem causa.
No caso, a constituição da sociedade de facto não transparece do comportamento de ambos enquanto membros da união, nem se provaram factos suscetíveis de levar à conclusão de que houve enriquecimento de um, sem qualquer justificação, pois, nem foi alegado que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto.
Relativamente ao imóvel adquirido por ambos e registado em nome dos dois, o mesmo encontra-se numa situação de compropriedade, o mesmo acontecendo com a conta bancária aberta em nome dos dois. Assim, tendo ele levantando a totalidade do montante nela depositado, metade desse valor terá de ser restituído a ela. Quanto às demais contas bancárias, entretanto encerradas, estando apenas em nome dele, haverá apenas que restituir os montantes que ela nelas tenha depositado. Quanto ao automóvel comprado por ele, tendo ela contribuído para o seu pagamento, deve-lhe ser restituído o que pagou.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 658/15.6T8GDM.P1, de 13 de junho de 2018
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