O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que comete o crime de gravações e fotografias ilícitas a gerente de uma sociedade que, sob a sua direção, tenha instalado, num condomínio e com licenciamento prévio da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), um sistema de videovigilância composto por 16 câmaras, permitindo, com o seu conhecimento, que três dessas câmaras captassem imagens de um arruamento que os moradores de uma casa situada fora do empreendimento tinham, necessariamente, que utilizar para acederem e saírem da sua habitação, filmando-os, contra a sua vontade, sempre que entravam ou saíam de casa.
O caso:
Uma sociedade procedeu à instalação de um sistema de videovigilância composto por 16 câmaras no empreendimento turístico por cuja exploração era responsável. Instalação essa que foi precedida de autorização concedida pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
Porém, três das câmaras foram instaladas próximas de lotes que não faziam parte do empreendimento, captando imagens de um arruamento que constituía o único acesso a uma casa fora do empreendimento. Registando, assim, imagens dos moradores dessa casa que, dessa forma, eram filmados contra a sua vontade sempre que entravam ou saíam de casa.
Ao tomarem conhecimento da existência das câmaras, os moradores apresentaram queixa contra o empreendimento, mas a sociedade ignorou a situação, mantendo as câmaras dirigidas da mesma forma.
Em consequência, a gerente da sociedade foi acusada e condenada pela prática de um crime de gravações e fotografias ilícitas no pagamento de uma multa no valor de 2.000 euros. Inconformada com essa decisão, a gerente recorreu para o TRE.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora:
O Tribunal da Relação de Évora concedeu parcial provimento ao recurso, confirmando a prática do crime de gravações e fotografias ilícitas, mas anulando o julgamento, ordenando a sua repetição, para que se apurasse quais as condições económicas da arguida e se fixasse, em conformidade, o valor da multa a pagar.
Decidiu o TRE que comete o crime de gravações e fotografias ilícitas a gerente de uma sociedade que, sob a sua direção, tenha instalado, num condomínio e com licenciamento prévio por parte da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), um sistema de videovigilância composto por 16 câmaras, permitindo, com o seu conhecimento, que três dessas câmaras captassem imagens de um arruamento que os moradores de uma casa situada fora do empreendimento tinham, necessariamente, que utilizar para acederem e saírem da sua habitação, filmando-os, contra a sua vontade, sempre que entravam ou saíam de sua casa.
Em proteção do direito à imagem, diz a lei que é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias quem, contra vontade, fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado, ou utilizar ou permitir que se utilizem essas fotografias ou filmes, mesmo quando licitamente obtidos.
O tipo objetivo deste crime consiste, assim, no registo fotográfico ou audiovisual da imagem de qualquer parte do corpo de outra pessoa ou na sua utilização ou permissão de utilização dessas imagens por terceiro, contra a vontade do retratado. Admitindo-se, ao nível do elemento subjetivo, qualquer modalidade do dolo.
Sendo entendimento jurisprudencial que não constituem gravações ilícitas gravação de imagens por particulares em locais públicos ou acessíveis ao público assim como os fotogramas oriundos dessas gravações, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infração criminal, e não digam respeito ao núcleo duro da vida privada da pessoa visionada, onde se inclui a sua intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas.
Assim, tendo o sistema de vigilância sido instalado de uma forma em que três das câmaras registavam imagens de vizinhos do empreendimento, relacionadas com o chamado núcleo duro da sua vida privada, sem o seu consentimento e sem que existisse justificação para a sua recolha, não estava a gerente da sociedade gestora do empreendimento autorizada a proceder às gravações, embora tivesse obtido licenciamento prévio por parte da CNPD. Pelo que há que falar em gravações ilícitas e, em consequência, na prática do respetivo crime.
Não obstante, o Tribunal da Relação de Évora anulou o julgamento porque o tribunal fixara o valor diário da multa a pagar sem antes averiguar ou ter em conta as condições económicas e financeiras da condenada.
Via | LexPoint
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