O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização de um hospital que contribuiu para o tratamento ou assistência de uma vítima de crime só tem início depois de proferido o despacho de acusação ou de arquivamento do processo crime.
O caso
Em 2015, depois de ter prestado assistência a uma vítima de um acidente de viação, ocorrido em 2010, e que acabara por morrer, um hospital recorreu a tribunal exigindo das companhias de seguros envolvidas o pagamento dos custos tidos com o tratamento prestado. Acidente esse que tinha dado origem a um inquérito crime, no qual, em março de 2012 tinha sido proferido despacho de acusação, tendo as partes sido remetidas, a pedido, para os tribunais civis para obtenção das correspondentes indemnizações.
Mas o tribunal entendeu que o hospital deixara esgotar o prazo de prescrição, uma vez que o acidente ocorrera há mais de três anos, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, motivando a interposição de recurso para o STJ.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ concedeu provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, ao decidir que a contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização de um hospital que contribuiu para o tratamento ou assistência de uma vítima de crime só tem início depois de proferido o despacho de acusação ou de arquivamento do processo crime.
O prazo geral de prescrição do direito de indemnização decorrente de responsabilidade por factos ilícitos é de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. Estabelece-se, no entanto, uma ressalva na hipótese de o facto ilícito configurar crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, caso em que será este o prazo aplicável.
Tudo porque não faria sentido que o direito do titular à indemnização civil, a exercer no processo criminal, pudesse ser afetado pela prescrição quando estivesse ainda a decorrer o prazo de prescrição do procedimento criminal, que, em certos casos, é mais longo.
Estando em causa um hospital público que contribuiu para o tratamento ou assistência da vítima, o mesmo é titular de um direito de indemnização que tem origem no facto ilícito, devendo por isso ser considerado lesado.
O facto de a lei especial, que regula a cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados, estabelecer, quanto ao início da contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização de que são titulares essas entidades, que o mesmo tem lugar a partir da data da cessação da prestação dos serviços que lhes deu origem, não afasta a aplicabilidade dos princípios e das regras gerais sobre a prescrição em tudo o que com ele não contenda.
Como tal, não é apta a afastar a aplicação da norma que determina que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. Configurando o facto gerador do direito de indemnização um ilícito criminal, é aplicável essa extensão do prazo de prescrição, da qual beneficiam tanto o ofendido como os restantes lesados, entre os quais o hospital que tenha prestado a necessária assistência.
Assim, estando, por força do princípio da adesão do pedido indemnizatório à ação penal, todos os lesados impedidos de deduzir esse pedido, em separado, nos tribunais cíveis, a contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização não se inicia antes de proferido o despacho de acusação ou de arquivamento. Só a partir desse momento é que o hospital fica em condições de exercer o seu direito.
Assim, no caso, o hospital dispunha do prazo de cinco anos a contar da data do acidente para exercer o seu direito, por estar em causa um crime de ofensa contra a integridade física simples, prazo que esteve interrompido até à notificação do despacho de acusação. Interrupção que voltou a ter lugar com a notificação da pretensão indemnizatória dirigida à seguradora, pelo que a ação foi proposta com antecedência confortável relativamente ao termo do prazo, sem que se tenha verificado a prescrição.
Via | LexPoint
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 11701/15.9T8LSR-A.L1.S2, de 21 de novembro de 2019
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