O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que, havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os pais, e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, deve ser fixada a residência alternada do menor, como regime mais apto para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam um filho a ambos os pais.
O caso
Em maio de 2018, um pai pediu a alteração do acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais alcançado em 2016, alegando que o mesmo consagrara um regime de visitas tão redutor que já não defendia o interesse do filho menor, ao prever que o mesmo residisse com a mãe, passando fins de semana alternados com o pai, o que estava a impedir que a sua relação com este tivesse uma evolução natural. Fê-lo propondo que o filho passasse a residir com a mãe e o pai, em períodos semanais alternados, com a consequente repartição igualitária das despesas. A mãe opôs-se a essa alteração, defendendo a manutenção do regime em vigor e negando que tivesse havido qualquer alteração de circunstâncias que justificasse a alteração pretendida pelo pai. O tribunal, depois de ter alargado, a título provisório, o período de convívio do pai com o menor e repartido de forma igualitária o período de férias escolares, manteve o regime de exercício anterior, decisão da qual o pai recorreu para o TRL, insistindo na residência alternada.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e fixando a residência alternada do menor, ao decidir que, havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os pais, e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, deve ser fixada a residência alternada do menor, como regime mais apto para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam um filho a ambos os pais.
Tendo o acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais ocorrido em maio de 2016, relativamente a um menor de dois anos e meio, um mês depois da separação dos pais, havendo então um entendimento jurisprudencial quase unânime de que não era possível fixar a residência alternada sem o acordo dos pais e muito menos em caso de filhos com menos de três anos, verifica-se uma relevante alteração de circunstâncias se entretanto decorreram dois anos, a mãe passou a viver com um companheiro e o pai passou a viver num agregado familiar com uma companheira e o filho menor desta em semanas alternadas e, em meados de 2019, tendo a criança já cinco anos e meio, as conceções jurídicas sobre as condições necessárias para a fixação da residência alternada evoluíram para um quase consenso de sentido contrário ao vigente até inícios de 2016.
O direito fundamental de um filho a não ser separado dos pais e de com ambos os progenitores manter uma relação de afetividade será tanto melhor concretizado quanto mais próximo e efetivo for o seu convívio com cada um deles, sendo a residência alternada a forma que melhor permitirá à criança repartir o seu tempo com os pais, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que necessariamente concorrerá para o seu desenvolvimento são e equilibrado e melhor viabilizará o cumprimento, por aqueles, das suas responsabilidades parentais. As circunstâncias concretas de cada caso dirão se a residência alternada serve ou não o interesse da criança e o seu bem-estar, o que passa por se avaliar, não só as condições de vida objetivas dos progenitores, mas também o seu envolvimento, relacionamento e proximidade afetiva com o filho.
A solução da residência alternada tem ganho força pela consciência de que os laços afetivos se constroem no dia-a-dia e não se compadecem com o tradicional regime de fins-de-semana quinzenais, sendo que a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro. Aliás, a residência alternada deve ser vista como uma medida que favorece ambos o progenitores e o filho e não como uma medida tomada contra um deles.
Ainda que o filho tenha passado a maior parte dos dois últimos anos com a mãe, tal não obsta a que possa ser fixada a residência alternada, pois as vantagens desta, isto é, do restabelecer as relações normais do menor com ambos os progenitores, suplantam o prejuízo decorrente da alteração dos hábitos e rotinas estabelecidas nesses dois anos. Mesmo quando o regime inicialmente estabelecido tenha funcionado corretamente, pois é desejável a sua alteração quando a mesma seja no sentido de aprofundar a relação do menor com ambos os progenitores.
A existência de conflito entre os progenitores não constitui obstáculo à fixação da residência alternada, não sendo possível afirmar que esta só seja possível nos casos em que os progenitores tenham uma relação amigável. Não existindo entendimento entre os pais acerca das questões relativas à vida do filho, a solução não passa por afastar o menor do pai, mas sim por os pais superarem os conflitos existentes entre si, na medida do necessário para dialogarem acerca da vida do filho que têm em conjunto e definir as linhas orientadoras para o futuro do menor. Se a falta de capacidade de diálogo, entendimento e cooperação entre os progenitores não impede o exercício conjunto das responsabilidades parentais, ela também não impede, nem poderia impedir, a residência alternada.
A exigência de um projeto de vida em comum também não pode ir além da exigência de os progenitores acordarem entre si orientações educativas relevantes para o exercício em comum das responsabilidades parentais. A incapacidade para o fazerem pode ser suprida pelo tribunal e só deve ser impeditiva da residência alternada se puser em perigo a segurança, saúde, formação e educação dos filhos.
Por último, os pais devem alimentos aos filhos, os quais devem ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los, pelo que, havendo uma desproporção evidente de meios entre os progenitores, aquele que tem mais tem de pagar mais do que o outro, mesmo que seja fixado o regime de residência alternada.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 6334/16.5T8LRS-A-2, de 6 de fevereiro de 2020
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