O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que um hospital integrado no Serviço Nacional de Saúde não pode condicionar a realização de um exame médico, tido por necessário por um médico e receitado ao doente, ao pagamento de dívidas anteriores referentes a taxas moderadoras.
O caso
No âmbito da consulta efetuada num hospital, foi prescrito a um doente a realização de um exame médico. Como à data o Centro Hospitalar do qual o hospital fazia parte não realizava esse exame, o mesmo ficou de reencaminhar o doente para outro Centro Hospitalar. Mas antes, notificou-o para proceder ao pagamento de 80,62 euros em falta, relativos a taxas moderadoras em dívida, resultantes de cuidados de saúde que lhe tinham sido prestados anteriormente, alguns há cerca de 20 anos. Como o doente não efetuou o pagamento, o Centro Hospitalar não deu andamento ao processo e o doente não chegou a realizar o exame. Em consequência, a Entidade Reguladora da Saúde condenou o Centro Hospitalar no pagamento de uma coima, no valor de 2.500 euros, por incumprimento das regras de acesso aos cuidados de saúde, em concreto, por violação do direito de acesso universal e equitativo à prestação de cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde. Discordando desta decisão, o Centro Hospitalar recorreu para tribunal e, depois, para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL negou provimento ao recurso ao decidir que um hospital integrado no Serviço Nacional de Saúde não pode condicionar a realização de um exame médico, tido por necessário por um médico e receitado ao doente, ao pagamento de dívidas anteriores referentes a taxas moderadoras.
O direito à saúde e à prestação de cuidados de saúde constitui um direito fundamental, cuja restrição apenas pode ocorrer pelos motivos constantes da Constituição.
Sendo ilegal e inconstitucional fazer depender o acesso à saúde, nomeadamente a meios de diagnóstico, ao pagamento de dívidas provenientes de taxas moderadoras.
Um hospital tem como função prestar cuidados de saúde e não cobrar dívidas e, muito menos, ao arrepio dos mais básicos preceitos constitucionais, fazer depender cuidados de saúde do pagamento dessas dívidas. Sendo que ninguém pode ver os seus cuidados de saúde dependentes do pagamento de uma fatura.
Constituindo contraordenação a violação das regras relativas ao acesso aos cuidados de saúde, nomeadamente a violação da igualdade e universalidade no acesso ao Serviço Nacional de Saúde e a violação de regras estabelecidas em lei ou regulamentação e que visem garantir e conformar o acesso dos utentes aos cuidados de saúde, bem como práticas de rejeição ou discriminação infundadas, em estabelecimentos públicos, publicamente financiados, ou contratados para a prestação de cuidados no âmbito de sistemas e subsistemas públicos de saúde ou equiparados.
A cobrança de quantias devidas a título de taxas moderadoras, quando não sejam pagas voluntariamente, terá de ocorrer nos moldes e seguindo os meios coercivos ao dispor do Estado. Sendo que a Constituição e a lei não permitem que a um utente sejam negados cuidados de saúde e que um hospital possa impedir a sua prestação com fundamento na existência de dívidas relativas a taxas moderadoras.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 188/19.7YUSTR.L1-PICRS, de 19 de maio de 2020
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