O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que existe concurso real entre o crime de gravações e fotografias ilícitas e o crime de devassa da vida privada, quando a filmagem efetuada para extorquir dinheiro à ofendida é divulgada nas redes sociais, devassando a sua intimidade, depois dela se ter recusado a efetuar o pagamento exigido.
O caso
Findo o seu casamento, o ex-marido concebeu um plano com a sua nova companheira para extorquir dinheiro à sua ex-mulher através da ameaça de divulgação de imagens suas em atos sexuais explícitos.
Em execução desse plano, ele convenceu a ex-mulher a subir a sua casa, onde a gravou, sem o conhecimento dela, a ter relações sexuais com ele. Na posse de tal gravação, ele e a nova companheira começaram a contactar a visada dizendo-lhe que colocariam o vídeo no Facebook caso a mesma não lhes desse dinheiro, ou ameaçando que revelariam o conteúdo do vídeo ao seu filho.
Como ela não acedeu aos seus intentos, eles colocaram o vídeo no Facebook, na página da nova companheira, com a legenda “traída pela mãe do meu afilhado”. Vídeo esse que só foi retirado da rede social por ação da visada, que o denunciou aos administradores do Facebook.
Em consequência, os arguidos acabaram condenados pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, e de um crime de devassa da vida privada agravada, em concurso aparente com o crime de gravações e fotografias ilícitas. Inconformado com essa decisão, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) concedeu parcial provimento ao recurso ao decidir que existe concurso real entre o crime de gravações e fotografias ilícitas e o crime de devassa da vida privada quando a filmagem efetuada para extorquir dinheiro à ofendida é divulgada nas redes sociais, devassando a sua intimidade, depois dela se ter recusado a efetuar o pagamento exigido.
O crime de devassa da vida privada tutela o bem jurídico privacidade em sentido material, enquanto o crime de gravações e fotografias ilícitas tutela os bens jurídicos direito à palavra e direito à imagem.
Não obstante a autonomia dos bens jurídicos tutelados por cada uma destas incriminações, deverá, em princípio, considerar-se a existência de um concurso aparente entre esses dois crimes sempre que a filmagem ilícita seja feita para permitir a devassa da intimidade.
Porém, quando a filmagem ilícita seja efetuada, não para devassar a intimidade da ofendida, mas para lhe extorquir dinheiro, e só porque esta não fez o pagamento pretendido, frustrando a extorsão, é que o filme é, posteriormente, publicitado numa rede social, devassando a sua intimidade, deve entender-se que existe um concurso real entre o crime de gravações e fotografias ilícitas e o crime de devassa da vida privada.
Tendo sido outro o entendimento do tribunal, mais favorável ao arguido, ao considerar a existência de um mero concurso aparente entre o crime de gravações e fotografias ilícitas e o crime de devassa da vida privada agravado, e tendo o recurso sido interposto apenas pelo arguido, deve ser mantida essa decisão, na medida em que o beneficia.
Porém, porque o enriquecimento ilegítimo integra o tipo do crime de extorsão, usar o mesmo enriquecimento para preencher a agravação do crime de devassa da vida privada significaria uma dupla valoração da mesma circunstância. Razão pela qual entendeu o TRC absolver os arguidos dessa agravação, confirmando quanto ao mais a sua condenação pela prática, em concurso real, de um crime de extorsão, na forma tentada, e de um crime de devassa da vida privada.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 269/16.9PCCBR.C1, de 13 de dezembro de 2017
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