O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, em caso de morte resultante de acidente de viação, releva, para efeitos de cálculo da indemnização devida ao cônjuge sobrevivo, a perda da contribuição que o cônjuge sinistrado, entretanto falecido, proporcionava e proporcionaria ao agregado familiar com o seu rendimento profissional, não fora a sua morte.
O caso
Um homem de 53 anos morreu vítima de um acidente de viação quando o motociclo onde seguia junto com a sua mulher foi atingido por um carro que o tentava ultrapassar, tendo o condutor do mesmo sido posteriormente julgado e condenado pela prática de um crime de homicídio negligente. Do acidente resultaram também ferimentos para a mulher do condutor do motociclo, os quais obrigaram a uma lenta recuperação e deixaram sequelas. Em consequência, a mulher recorreu a tribunal exigindo da seguradora do veículo responsável pelo acidente uma indemnização pela morte do marido e pelos danos que sofrera em resultado do acidente.
O tribunal condenou a seguradora a pagar 167.620,15 euros, a título de danos patrimoniais, 152.500 euros a título de danos não patrimoniais, 130.000 euros a título da perda de alimentos por parte da viúva, 70.000 euros a título de dano não patrimonial sofrido pela mesma, 40.000 euros correspondente à parcela que lhe era devida na compensação de 80.000 euros arbitrada pela perda do direito à vida do seu falecido marido e 2.700 euros de indemnização pelo apoio de terceira pessoa, durante seis meses.
Mas, após recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, este reduziu para 100.000 euros o montante da indemnização devida pelo dano da perda de alimentos, reduziu para 50.000 euros a compensação pelo dano não patrimonial emergente das lesões sofridas pela viúva, reduziu para 70.000 euros a compensação da perda do direito à vida do seu marido e revogou o segmento da sentença que fixara em 2.700 euros a indemnização arbitrada pela assistência da sua irmã durante a convalescença. Inconformada, a viúva recorreu para o STJ.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ concedeu parcial provimento ao recurso, condenando a seguradora a pagar 130.000 euros a título da perda de alimentos por parte da viúva e 40.000 euros correspondente à parcela que lhe era devida na compensação de 80.000 euros arbitrada pela perda do direito à vida do seu falecido marido, confirmando no mais o acórdão recorrido.
Decidiu o STJ que, em caso de morte resultante de acidente de viação, releva, para efeitos de cálculo da indemnização devida ao cônjuge sobrevivo, a perda da contribuição que o cônjuge sinistrado, entretanto falecido, proporcionava e proporcionaria ao agregado familiar com o seu rendimento profissional, não fora a sua morte.
Diz a lei que, no caso de lesão de que proveio a morte, têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, o que inclui naturalmente os cônjuges, uma vez que estes estão reciprocamente vinculados ao dever de assistência que compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar. Assim, tendo a vítima do acidente de viação deixado viúva, esta está em posição de exigir uma indemnização pela perda do contributo que o seu falecido marido deixou de proporcionar ao respetivo agregado familiar com o seu rendimento profissional.
Sendo que esse direito a indemnização do titular do direito a alimentos não abarca quaisquer danos patrimoniais do mesmo, mas apenas o dano relativo à perda de alimentos. Para o efeito, deve ser considerado como critério, não tanto a necessidade e medida estritas da prestação de alimentos, mas sim o contributo que o cônjuge falecido proporcionaria para a economia doméstica, atendendo ao período de tempo previsível durante o qual tal contributo seria prestado, não fora a morte da vítima.
Quanto ao critério da esperança de vida, há que ter em conta a presumível subsistência de atividade económica relevante, num horizonte mesmo para além da idade da reforma. Num caso em que o falecido se dedicava à comercialização por conta própria de caixas e dossiers, é de presumir que mantivesse, mesmo para além da idade da reforma, um nível de rendimento próximo do que auferia com a sua profissão, aproveitando o potencial de conhecimentos e o capital de experiência adquiridos, de modo a assegurar, no limite, a economia e o padrão de vida do seu agregado familiar. Assim, sendo ele quem auferia o único rendimento do seu agregado familiar, no valor de 12.000 euros anuais, ocupando-se a mulher exclusivamente das lides domésticas, entendeu o STJ ser mais ajustada a fixação de indemnização no valor de 130.000 euros, tal como fora arbitrada pela primeira instância.
Quanto à compensação pela perda do direito à vida, entendeu o STJ que, tendo em conta que o falecido tinha 53 anos e se dedicava à sua atividade profissional quando foi vitimado por um acidente de viação da exclusiva responsabilidade do condutor do outro veículo, era, à luz dos parâmetros jurisprudenciais mais recentes, razoável arbitrar a quantia de 80.000 euros.
Via | LexPoint
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 2732/17.5T8VCT.G1.S1, de 4 de junho de 2020
Subscreve a newsletter e recebe os destaques do UDIREITO.