O Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu que um bebé que se encontre no ventre materno tem direito a ser indemnizado pelos danos resultantes da morte do seu pai, vítima de acidente de viação, quando esta tenha ocorrido antes do seu nascimento.
O caso:
Em março de 1998, um condutor, motorista de profissão, morreu em resultado de um acidente de viação depois do veículo que conduzia ter embatido numa tampa de saneamento, com uma altura de cerca de cinco centímetros acima do pavimento da estrada, e se ter despistado, embatendo contra um pinheiro. Tampa essa cuja presença não estava assinalada e que não era visível para quem circulasse na estrada, sobretudo à noite, que fora quando ocorrera o acidente.
À data da morte do condutor, a sua companheira estava grávida do seu filho, que viria a nascer em dezembro de 1998. Em consequência, ela e o filho recorreram a tribunal exigindo o pagamento de uma indemnização à Estradas de Portugal, considerada responsável pelo acidente.
O tribunal condenou a Estradas de Portugal a pagar uma indemnização ao filho da vítima no valor de 50.000 euros, pela perda do direito à vida do pai, por via sucessória, decisão que este considerou insuficiente e da qual recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo reclamando, também, uma indemnização por danos não patrimoniais e por ter ficado privado da respetiva prestação alimentar.
Apreciação do Supremo Tribunal Administrativo:
O Supremo Tribunal Administrativo (STA) concedeu parcial provimento ao recurso condenando, também, a Estradas de Portugal a pagar ao filho da vítima, a título de indemnização, 30.000 euros pelo dano não patrimonial próprio e 37.800 euros pela privação da prestação alimentar devida, num total de 67.800 euros.
Decidiu o STA que um bebé que se encontre no ventre materno tem direito ser indemnizado pelos danos resultantes da morte do seu pai, vítima de acidente de viação, quando esta ocorra antes do seu nascimento.
Segundo o STA, o legislador, ao consagrar que, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe aos filhos, não fez qualquer distinção entre filhos já nascidos à data da morte do pai e filhos já concebidos, mas só nascidos em data posterior.
E não o fez de forma consciente. Por um lado, porque os danos morais decorrentes da morte de um pai são precisamente iguais para o filho que nasceu um dia antes desse óbito e para aquele que nasceu um dia depois, pelo que desta igualdade não podem resultar efeitos jurídicos distintos. Por outro lado, é sempre enquanto filho, já nascido e vivente e, não enquanto nascituro, que o filho apenas concebido à data da morte do pai, reclama o pagamento de uma indemnização ao lesante.
Assim, é inequívoco que um nascituro adquire retroativamente todos os direitos que pertençam ou sejam reconhecidos ao filho biológico, a partir do seu nascimento completo e com vida. Pelo que tem de lhe ser reconhecido, depois desse seu nascimento com vida, o direito a exigir uma indemnização pelos danos não patrimoniais resultantes da morte do pai, relacionados com o facto de nunca o ter chegado a conhecer, nem a poder partilhar da sua companhia e afeto, e de se sentir desamparado de conselhos e proteção desse mesmo progenitor ao longo das várias fases da sua vida.
De outro modo estar-se-ia a negar aos filhos nascidos após a morte do pai essa qualidade de filhos que adquiram, de pleno direito, após o seu nascimento.
Nesse sentido, concluiu o Supremo Tribunal Administrativo ser adequada a atribuição de uma indemnização no valor 30.000 euros, a título de danos não patrimoniais, tendo em conta que a vítima falecera com apenas 25 anos de idade e que o seu filho passara toda a infância e adolescência privado da presença paterna. Valor ao qual deve acrescer a importância devida a título de alimentos.
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01485/14, de 30 de junho de 2016
Via | LexPoint
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