O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que uma vez declarada a vontade de ambos os nubentes de contraírem matrimónio perante oficial público, o casamento não pode ser declarado inexistente, podendo apenas ser invocada a sua anulabilidade, em caso de falta de vontade real de um deles.
O caso
Um homem recorreu a tribunal pedindo para que fosse declarado inexistente o casamento do seu pai, entretanto já falecido, por falta de vontade do mesmo ou por ter sido celebrado por pessoa sem competência para tal e terem sido infringidos os preceitos imperativos da lei.
Fê-lo alegando que o pai casara depois de ter enviuvado da sua mãe e de ter sido vítima de um acidente vascular cerebral, tendo sido levado da instituição onde estava internado até à conservatória do registo civil onde fora celebrado o casamento, perante ajudante em substituição legal do conservador.
O tribunal julgou a ação procedente, declarando inexistente o casamento por falta da declaração de vontade do nubente, decisão da qual foi interposto recurso para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e julgando totalmente improcedente a ação, ao decidir que, uma vez declarada a vontade de ambos os nubentes de contraírem matrimónio perante oficial público, o casamento não pode ser declarado inexistente, podendo apenas ser invocada a sua anulabilidade, em caso de falta de vontade real de um deles.
O casamento civil é válido a menos que se verifique alguma das causas de inexistência ou anulabilidade taxativamente especificadas na lei.
Uma dessas causas de inexistência é o casamento em cuja celebração tenha faltado a declaração da vontade de um ou ambos os nubentes, ou do procurador de um deles, a qual se distingue do casamento anulável por ter sido celebrado, por parte de um ou de ambos os nubentes, com falta de vontade ou com a vontade viciada por erro ou coação e do casamento celebrado quando o nubente, no momento da celebração, não tinha a consciência do ato que praticava, por incapacidade acidental ou outra causa.
Enquanto na primeira dessas situações se tem em vista a falta da própria declaração da vontade de um ou ambos os nubentes, que conduz à inexistência jurídica do casamento, nas outras existe declaração da vontade, mas quem a fez não tinha consciência do sentido das palavras que proferiu, porque se encontrava acidentalmente incapaz ou por outra causa, o que é fundamento de anulabilidade do casamento.
Assim, uma vez manifestada a vontade de ambos os nubentes, o casamento ingressa na ordem jurídica, não podendo ser declarado inexistente, mesmo que não haja realmente vontade válida do declarante, ficando então apenas sujeito ao regime da anulabilidade.
No caso, tendo os nubentes manifestado a sua vontade de contrair matrimónio perante o oficial público, o casamento não pode ser declarado inexistente, podendo, apenas e quando muito, ser invocada a respetiva anulabilidade, por falta de vontade do nubente, visto tratarem-se de figuras jurídicas que não são confundíveis.
Deste modo, tendo-se o autor limitado a formular um pedido de inexistência do casamento, não existindo fundamentos para que a mesma seja declarada, não pode o tribunal proferir sentença de anulação do casamento.
Quanto à competência para a celebração do casamento, sendo a mesma do conservador, ela não é exclusiva, na medida em que a lei permite que, estando o conservador indisponível, possa ser designado, em sua substituição, um oficial de registos, de acordo com a hierarquia funcional. Como tal, tendo o casamento sido celebrado perante ajudante em substituição legal do conservador, o mesmo é válido e não inexistente.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 1613/17.7T8VRL.G1, de 1 de outubro de 2020
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