O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a proprietária de um veículo que não tenha cumprido a obrigação legal de celebração de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel não é responsável perante o Fundo de Garantia Automóvel (FGA) pelo reembolso da indemnização que este tenha pago aos terceiros lesados no acidente de viação provocado pelo filho da mesma, depois deste, sem o seu conhecimento, se ter apropriado da viatura.
O caso
A proprietária de um automóvel deixou de o conduzir, devido a problemas de saúde, tendo-o estacionado no quintal da sua casa, sem, contudo, o retirar oficialmente de circulação. Em novembro de 2006, o filho da proprietária retirou o veículo do quintal, sem autorização nem conhecimento da mãe, tendo-se despistado ao volante do mesmo e morrido em consequência do acidente, do qual resultou também a morte de um dos passageiros e lesões corporais graves noutro passageiro que, mais tarde, acabou também por falecer. Na altura do acidente o condutor, além de não ter carta de condução, apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,77 gramas por litro.
A proprietária, como deixara de utilizar o veículo, não tinha celebrado qualquer seguro, tendo sido o Fundo de Garantia Automóvel (FGA) a assegurar o pagamento da indemnização aos sucessores dos passageiros pelos danos resultantes do acidente.
Considerando que a proprietária estava obrigada a celebrar um seguro de responsabilidade civil para o seu veículo e que não cumprira essa obrigação, o FGA exigiu dela o reembolso das indemnizações que tinha pago. A proprietária defendeu-se alegando que, como tinha estacionado o seu veículo no quintal da sua casa e não pretendia colocá-lo em circulação, não estava obrigada a contratar o seguro.
O tribunal começou por condenar a proprietária do veículo e a filha do condutor a reembolsarem o FGA mas, após recurso para o Tribunal da Relação, este absolveu a proprietária.
Chamado a pronunciar-se sobre a questão, o STJ decidiu questionar o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Este respondeu que um veículo que não foi regularmente retirado da circulação e que está apto a circular deve estar coberto por um seguro de responsabilidade civil automóvel mesmo quando o seu proprietário, já sem intenção de o conduzir, tenha optado por estacioná-lo num terreno particular. E que os Estados-membros podem prever que, quando a pessoa que está sujeita à obrigação de celebrar um seguro de responsabilidade civil relativamente a um veículo envolvido num acidente não cumpriu essa obrigação, o organismo nacional de indemnização pode exercer o seu direito de regresso contra essa pessoa.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ julgou improcedente o recurso ao decidir que a proprietária de um veículo que não tenha cumprido a obrigação legal de celebração de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel não é responsável perante o FGA pelo reembolso da indemnização que este tenha pago aos terceiros lesados no acidente de viação provocado pelo filho da mesma, depois de, sem o seu conhecimento, se ter apropriado da viatura.
Embora a obrigação de contratação do seguro se mantenha quando a proprietária, sem intenções de voltar a conduzir o veículo, ainda matriculado e apto a circular, o tenha estacionado num terreno particular, agindo o FGA na qualidade de credor sub-rogado nos direitos do lesado que por essa entidade tenham sido satisfeitos, por lei o reembolso apenas pode ser exigido daquele relativamente ao qual se constituiu na esfera do lesado o direito de indemnização que tenha sido satisfeito pelo FGA, ou seja, perante o responsável pelo acidente.
Ora, a mera qualidade de proprietária do veículo que interveio no acidente de viação e que um terceiro colocou em circulação, sem a sua autorização ou conhecimento, não a torna responsável civil pelos danos causados aos passageiros que nesse veículo eram transportados, já que não detinha a sua direção efetiva.
De facto, segundo a lei, quando o veículo seja posto a circular sem o conhecimento ou autorização do proprietário, como ocorre em todos os casos de roubo, de furto ou de furto de uso, o proprietário não tem, ou deixou de ter, a sua direção efetiva, não sendo, por isso, responsável pelas consequências do acidente que seja provocado, nem a título de culpa nem de risco.
Assim, uma vez que na esfera jurídica desses passageiros não se constituiu contra tal proprietária qualquer direito de indemnização que, pela via da sub-rogação, se tenha transmitido para o FGA, este não pode exigir dela o reembolso da indemnização que pagou aos familiares desses terceiros lesados no acidente de viação.
Via | LexPoint
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 770/12.3TBSXL.L1.S1, de 8 de novembro de 2018
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