O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que a obtenção de dados conservados de localização celular e de registos de realização de conversações ou comunicações não deve ser autorizada quando reportada a um número indeterminado de pessoas incertas, exigindo-se que se tratem de pessoas identificáveis ou determináveis.
O caso
Num inquérito crime em que se investigava o furto a uma residência, o Ministério Público (MP), acolhendo a sugestão feita pela GNR e face à escassez de provas, requereu ao juiz de instrução que este ordenasse às operadoras telefónicas nacionais a junção ao processo dos dados de tráfego, nomeadamente, de todas as chamadas e mensagens recebidas e efetuadas na zona da residência, na altura do furto, e os respetivos números de telemóvel. Mas o pedido de obtenção de dados de localização celular foi indeferido, por falta de suspeitos determinados, decisão da qual o MP recorreu para o TRE.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE negou provimento ao recurso, ao decidir que a obtenção de dados conservados de localização celular e de registos de realização de conversações ou comunicações não deve ser autorizada quando reportada a um número indeterminado de pessoas incertas, exigindo-se que se tratem de pessoas identificáveis ou determináveis.
Os dados de tráfego e de localização celular solicitados às operadoras de telecomunicações reconduzem-se a prova eletrónica preservada ou conservada em sistemas informáticos.
O regime processual da recolha dessa prova está regulado na lei relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações e na Lei do Cibercrime, tendo deixado de ter aplicação, nesse domínio, o regime das comunicações telefónicas previsto na lei processual penal.
Sendo que relativamente aos dados especificamente previstos na lei relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas, o regime nela estabelecido constitui um regime especial e privativo que se sobrepõe ao regime processual geral que consta da Lei do Cibercrime, a qual ressalva expressamente a aplicação desse mesmo regime legal.
Assim, à obtenção de prova reportada a esses dados conservados, entre os quais os relativos à localização celular, aplica-se o regime constante dessa lei, exigindo-se , designadamente, que seja dirigida à investigação, deteção e repressão de crimes graves e que só possa ser autorizada a transmissão de dados relativos ao suspeito ou arguido, a pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido, ou à vítima de crime, mediante o respetivo consentimento, efetivo ou presumido, e, ainda, que existam razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.
Não estando reunidos os dois primeiros desses pressupostos, uma vez que o crime de furto qualificado não integra a categoria de crimes graves, os quais serão apenas os de terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade altamente organizada, sequestro, rapto e tomada de reféns, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, contra a segurança do Estado, falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda e crimes abrangidos por convenção sobre a segurança da navegação aérea ou marítima, e não existe nenhum arguido ou suspeito identificável ou determinável, não deve ser autorizada a obtenção de dados de localização celular e de registos de realização de conversações ou comunicações.
Essa falta de suspeitos determinados contra quem dirigir os pedidos de obtenção de dados de tráfego ou os pedidos de localização celular constitui obstáculo intransponível à realização deste tipo de meios de obtenção de prova, pelo que, no caso, entendeu o TRE que era de confirmar a decisão do juiz de instrução de indeferir o pedido de obtenção desses dados.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 9/20.8GAMTL-A.E1, de 14 de julho de 2020
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