O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que, perante um requerimento, ainda que mal formulado, do qual resulte de forma indubitável que a parte pretende a nomeação de um advogado que a patrocine, o tribunal deve, sob pena de incorrer numa nulidade processual, esclarecê-la sobre a forma correta como deve formular esse pedido e para obter a interrupção do prazo para contestar a ação.

O caso

Citada no dia 02/03/2016 para uma ação de despejo que contra ela era movida pela senhoria, por falta de pagamento da renda atualizada, a inquilina juntou ao processo, no dia 9 desse mesmo mês, um requerimento dirigido ao juiz acompanhado de duplicado de uma missiva que tinha enviado à delegação da Ordem dos Advogados (OA) requerendo uma nova nomeação para segunda opinião.

Presentes os autos ao juiz este entendeu que o requerimento apresentado não correspondia a nenhum pedido de apoio judiciário e que, por essa razão, não era passível de interromper o prazo para a contestação. E como não fora apresentada nenhuma contestação, deu por confessados os factos alegados pela senhoria.

Entretanto, a OA comunicou ao processo que havia nomeado um advogado para patrocinar a inquilina, tendo a Segurança Social comunicado também o deferimento do pedido de proteção jurídica que aquela tinha formulado. Mas quando a inquilina informou o tribunal de que tinha pedido patrocínio oficioso dentro do prazo de que dispunha para contestar, o tribunal manteve a decisão anterior e julgou procedente a ação declarando resolvido o contrato de arrendamento e ordenando o despejo. Inconformada, a inquilina recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra

O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) julgou procedente o recurso, anulando o despacho recorrido e ordenando que fosse proferido outro que notificasse a inquilina para contestar a ação.

Decidiu o TRC que, perante um requerimento, ainda que mal formulado, do qual resulte de forma indubitável que a parte pretende a nomeação de um advogado que a patrocine, o tribunal deve, sob pena de incorrer numa nulidade processual, esclarecê-la sobre a forma correta como deve formular esse pedido e para obter a interrupção do prazo para contestar a ação.

Diz a lei que quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

De onde resulta que, para efeitos de interrupção do prazo em curso, o requerente da nomeação de patrono tem de juntar à ação, dentro desse prazo, documento comprovativo da apresentação, na Segurança Social, do requerimento de apoio nessa mesma modalidade, sob pena de preclusão do direito de praticar o ato e aplicação do efeito cominatório previsto na lei.

Compreende-se essa exigência legal de que o pedido de concessão do apoio judiciário seja dado a conhecer no processo, por razões de segurança jurídica e também de racionalidade na gestão do processo, pois, a não ser assim, os autos prosseguiriam na ignorância de que o prazo estava interrompido, com a consequente anulação dos atos entretanto praticados.

Sendo que não se pode considerar uma exigência gravosa para o requerente, uma vez que se trata de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.

Não obstante, o princípio da cooperação, cujo incumprimento origina uma nulidade processual, obriga os juízes a colaborarem com as partes, impondo-lhes o dever de as prevenir sobre a falta de pressupostos processuais sanáveis e sobre irregularidades ou insuficiências das suas peças ou alegações, bem como o dever de as auxiliar na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais. Sobretudo quando estas não estejam representadas por advogado.

Assim, segundo o TRC, não pode o tribunal, perante um requerimento apresentado pela ré escassos dias depois da citação, acompanhado por cópia da carta que enviara à OA onde pedia uma nova nomeação para uma segunda opinião, deixar de o ter em conta como manifestação da vontade da ré de obter a nomeação de um advogado para a patrocinar no âmbito do processo. E por assim ser, deveria o tribunal na apreciação do mesmo, e dando cumprimento ao assinalado dever de cooperação, esclarecer a requerente que não era aquele o meio adequado à obtenção do patrocínio pretendido, devendo portanto dirigir-se à Segurança Social para o efeito e, mais relevante, que para obter a interrupção do prazo em curso, tal só ocorreria com a junção aos autos, a efetuar pela própria, do documento certificativo de que tal pedido havia sido formulado.

A omissão desse dever por parte do tribunal tem o valor de nulidade que influi clara e decisivamente no exame e decisão da causa e que foi arguida pela recorrente em tempo, quando solicitou ao juiz que substituísse o despacho por outro que determinasse que os autos aguardassem a decisão a proferir pela Segurança Social.

Via | LexPoint

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 465/16.9T8LRA.C1, de 24 de janeiro de 2017

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