O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que não deve ser autorizada a quebra do sigilo profissional e o fornecimento, pela entidade responsável pela cobrança de taxas de portagem em determinadas vias rodoviárias, de informações relativas à passagem de certas viaturas nessas vias, com indicação do dia e hora, por tal se mostrar inadequado à localização efetiva das mesmas e à sua pretendida apreensão.
O caso
Um banco requereu ao tribunal a providência cautelar de entrega imediata de dois veículos, um trator e um pesado de mercadorias, com fundamento na resolução do respetivo contrato de locação financeira e na falta de entrega dos mesmos pela empresa locatária.
A providência foi decretada, ordenando-se a apreensão imediata dos veículos e dos respetivos documentos. Para esse fim, o banco requereu a notificação da empresa responsável pela cobrança de portagens em determinadas autoestradas para que informasse se os veículos teriam passado em alguma das portagens e quando.
Deferida essa pretensão, a empresa responsável pela cobrança das portagens recusou-se a prestar a informação solicitada invocando a confidencialidade dos dados em causa e o segredo profissional.
Considerando que a informação pretendida se podia revelar essencial para a localização pelo menos do veículo pesado e para permitir a execução da decisão judicial de apreensão, o tribunal decidiu suscitar junto do Tribunal da Relação de Lisboa incidente de verificação da legitimidade da escusa e a dispensa do dever de sigilo invocado pela empresa.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu rejeitar a requerida quebra do segredo profissional da empresa responsável pela cobrança das portagens e a consequente prestação de informações relativas à passagem de certas viaturas, com indicação do dia e hora, considerando que tal se mostrava inadequado à localização efetiva das mesmas e à sua apreensão.
A informação recolhida pelas empresas responsáveis pela cobrança de portagens relativa a dados de tráfego e de localização dos veículos que circulem nas autoestradas está protegida pelo segredo profissional, sendo, por isso, legítima a recusa da sua prestação ao tribunal.
Esse segredo profissional visa, em concreto, a proteção dos interesses dos clientes e utentes da via, ancorando-se, pelo menos no que diz respeito a pessoas singulares, no próprio direito à reserva da intimidade da vida privada. Tal direito não é, todavia, um direito absoluto, podendo ter de ceder perante outros direitos cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo profissional.
Estará neste caso o interesse de uma parte na realização da justiça e, nomeadamente, o seu direito à produção de prova ou execução de decisão, mas essa avaliação tem de ser feita caso a caso, devendo apurar-se em cada situação qual dos interesses deve prevalecer. Daqui decorre que a dispensa do sigilo dependerá sempre de um juízo concreto, fundado na específica natureza da ação e na relevância e intensidade dos interesses da parte que pretende obter prova através dessa dispensa.
Ora, estando em causa a execução de uma decisão judicial de apreensão de dois veículos, a informação sobre se os mesmos passaram por alguma portagem e do dia e da hora em que o fizeram em nada contribui para essa apreensão.
Por um lado porque sendo um dos veículos um trator este, pela sua própria natureza, não pode circular em autoestradas. Por outro, porque mesmo em relação ao veículo pesado de mercadorias, a informação solicitada não permite localizar o veículo pois nada diz sobre a sua localização atual ou sobre a morada do respetivo utilizador, dando apenas a conhecer que o veículo passou, ou não, por determinada via e quando o fez. Seria, pelo contrário, bem mais adequada, pelo menos em relação ao pesado de mercadorias, a divulgação do respetivo pedido de apreensão junto das autoridades policiais competentes a nível nacional.
Assim, a comunicação dos dados de circulação do utilizador do veículo para apreensão, além de não se revelar essencial ou mesmo necessária à apreensão visada, gera um sacrifício dos direitos fundamentais do titular dos dados que é, do ponto de vista da proteção de dados pessoais, inteiramente desproporcionado relativamente às vantagens obtidas.
Razão pela qual, na ponderação dos interesses em confronto, não se justifica a prevalência do interesse privado do banco requerente em detrimento do interesse público protegido pelo segredo profissional a que está vinculada a entidade a quem foi dirigido o pedido de informação, devendo o pedido de dispensa do dever de sigilo ser rejeitado.
Via | LexPoint
Subscreve a newsletter e recebe os destaques do UDIREITO.