O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que a excessiva onerosidade da reparação de um veículo sinistrado deve ser apurada tendo em conta, não o valor venal do veículo, enquanto valor comercial de alienação antes do acidente, mas sim o valor da sua substituição por outro com as mesmas características e que cumpra as mesmas funções, tendo o lesado sempre direito também a uma indemnização em caso de privação do veículo, pelo menos até à reparação ou disponibilização do pagamento da indemnização devida.
O caso
O proprietário de um veículo foi vítima de um acidente de viação, do qual resultaram danos que impediram o veículo de circular e cuja reparação foi avaliada em 4.001,45 euros. Participado o sinistro à seguradora do veículo responsável pelo acidente, esta entendeu que o veículo estava em situação de perda total e que a respetiva indemnização teria por base o montante de 1.100 euros, correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente, ao qual seriam descontados 150 euros, correspondentes ao valor do salvado.
O proprietário não aceitou, já que pretendia efetuar a reparação do veículo, por considerar que a mesma era economicamente viável e que o veículo satisfazia plenamente as suas necessidades e de toda a sua família, tendo pedido que, enquanto a reparação não fosse realizada, lhe colocassem à disposição um veículo com características semelhantes às do sinistrado. Posteriormente, recorreu a tribunal, o qual condenou a seguradora a pagar-lhe os 4.001,45 euros, para ressarcimento do custo decorrente da reparação do veículo, e 10 euros diários a título de indemnização pela privação de uso do seu veículo, desde a data do sinistro e até à data do pagamento da reparação. Discordando desta decisão, a seguradora recorreu para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou improcedente o recurso, ao decidir que a excessiva onerosidade da reparação de um veículo sinistrado deve ser apurada tendo em conta, não o valor venal do veículo, enquanto valor comercial de alienação antes do acidente, mas sim o valor da sua substituição por outro com as mesmas características e que cumpra as mesmas funções, tendo o lesado sempre direito também a uma indemnização em caso de privação do veículo, pelo menos até à reparação ou disponibilização do pagamento da indemnização devida.
Tradicionalmente, a propósito da obrigação de indemnização pelos danos causados a um veículo automóvel, entendia-se que essa questão devia ser ponderada com base no conceito de valor venal do veículo, que correspondia ao valor comercial do mesmo, ou seja, ao valor que o proprietário obteria se o tivesse alienado imediatamente antes do acidente. Comparando-se esse valor com o custo estimado da sua reparação, concluir-se-ia se a reparação seria excessivamente onerosa, no caso de o valor da reparação ser superior ou muito superior ao valor comercial, ou não, na situação inversa. Este valor venal ou comercial da viatura funcionava como critério, tanto para a determinação do carácter excessivo da reconstituição natural, como para a fixação do próprio montante da indemnização, sucedânea da reconstituição natural.
Mas essa perspetiva redutora, que apenas protegia o lesado enquanto potencial alienante, mesmo que não tivesse qualquer intenção de vender o veículo, tem vindo a ser rejeitada e substituída por outra corrente que defende que o dano sofrido consiste, essencialmente, na diminuição da faculdade de uso do veículo e não na perda do seu valor de troca. Assim, atualmente, quer para efeitos de se apurar se a reparação do veículo exigida pelo lesado é ou não excessivamente onerosa, quer para efeitos de fixação da indemnização em dinheiro ou por equivalente, tem vindo a ser rejeitado esse critério do valor venal, para passar a ser tido em conta o interesse do lesado na reparação ou na fruição da viatura e o valor de substituição, isto é, o custo de aquisição no mercado de um veículo com as mesmas características, que cumpra as mesmas funções que estavam destinadas ao veículo danificado.
Na verdade, um veículo já com muito uso pode ter um valor comercial pouco significativo, mas, ainda assim, satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, por não lhe permitir a aquisição de uma viatura da mesma marca, com as mesmas características e com o mesmo uso.
Sendo que cabe sempre à seguradora a prova da excessiva onerosidade da reparação. Não o tendo feito, e tendo ficado demonstrado que, à data do sinistro, o valor comercial do veículo não era inferior a 4.000 euros, não excedendo a sua reparação, orçada em 4.001,45 euros, 120 % desse valor, não se verifica uma situação de perda total, estando a seguradora obrigada a pagar o custo da reparação do veículo.
Mais, tendo a seguradora informado o lesado que o veículo se encontrava em situação de perda total e posto à disposição do mesmo uma quantia inferior à necessária para a reparação do veículo, esse ato não a exonera do pagamento do montante referente à privação do respetivo uso, pois a falta de aceitação da quantia era justificada por ser inferior ao dano sofrido, não fazendo o credor incorrer em mora. Mercê da imobilização do veículo sinistrado, não se tratando de uma situação de perda total e nem tendo a seguradora disponibilizado uma viatura de substituição pelo período necessário à reparação, o lesado tem direito a ser indemnizado pela privação do uso da viatura até ao pagamento, pela seguradora, do valor devido a título do custo da reparação do veículo.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 1136/18.7T8PTL.G1, de 25 de junho de 2020
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