O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que não é exigido aos condutores que contem, em cada momento, com os obstáculos que surjam inopinadamente, com obstáculos ou circunstâncias totalmente avessos ao curso ordinário das coisas, ou com a falta de prudência de terceiros, nomeadamente de um peão.
O caso
Um homem foi atropelado quando, durante uma noite de chuva e para atravessar a estrada, ao contornar um veículo estacionado na berma, com duas rodas em cima do passeio, se desequilibrou para a via onde foi atingido por um carro.
O homem tinha uma perna mais curta do que a outra, usando uma bota para compensar o desnível, tendo, em consequência do embate, partido a perna e a rótula direita com necessidade de ser intervencionado cirurgicamente.
Em consequência, o homem recorreu a tribunal exigindo da seguradora do veículo uma indemnização pelos danos que sofrera, mas a ação foi julgada improcedente, decisão da qual recorreu para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL negou provimento ao recurso ao decidir que não é exigido aos condutores que contem, em cada momento, com os obstáculos que surjam inopinadamente, com obstáculos ou circunstâncias totalmente avessos ao curso ordinário das coisas, ou com a falta de prudência de terceiros, nomeadamente de um peão.
Diz a lei que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
De onde resulta a existência de diversos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil por factos ilícitos, uma vez que terá de estar em causa um facto voluntário do agente, ilícito, culposo, que tenha provocado danos e que exista um nexo de causalidade entre esse facto e esses danos.
Relativamente aos peões, a lei impõe-lhes um dever objetivo de cuidado, na medida em que não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respetiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente, devendo também atravessar nas passagens especialmente sinalizadas para o efeito ou, quando nenhuma exista, a uma distância inferior a 50 metros, perpendicularmente ao eixo da faixa de rodagem.
Tendo o peão desrespeitado esse dever objetivo de cuidado, ao tentar atravessar a faixa de rodagem à noite, com condições climatéricas adversas e fora da passagem de peões situada a apenas 24 metros do local, para mais quando sofria de uma incapacidade que o impedia de acelerar o passo em caso de urgência, era previsível que ele pudesse escorregar e cair para a faixa de rodagem, embaraçando a circulação automóvel e criando perigo de atropelamento.
Por outro lado, não se tendo apurado que o condutor tenha por qualquer forma contribuído para a produção do acidente, uma vez que circulava a uma velocidade que não se poderá considerar excessiva, respeitando as demais regras de circulação automóvel, sem que pudesse prever que lhe fosse surgir inopinadamente um peão a cair sobre o veículo, é de concluir que o acidente se ficou a dever exclusivamente à atuação imprudente do peão.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 29042/13.4 T2SNT.L1-1, de 1 de outubro de 2019
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