O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, em caso de falta de consentimento devidamente informado da paciente para a realização do exame, o médico que realize uma colonoscopia da qual resulte a perfuração do intestino da paciente é responsável pelos danos que lhe tenha causado, estando obrigado a indemnizá-la.
O caso
Em março de 2011, uma mulher de 83 anos foi submetida num hospital a uma colonoscopia da qual resultou a perfuração do seu intestino, a qual só foi detetada depois de ter tido alta. Situação que, além de lhe provocar dores, a tornou dependente de terceiros durante vários meses e a obrigou a usar um saco de colostomia.
Antes do exame, a paciente assinara um impresso do hospital intitulado consentimento informado, no quando declarara compreender a explicação fornecida acerca do seu caso clínico e os riscos relacionados com a realização do exame, designadamente a possibilidade de perfuração. Sendo que se tratava de uma paciente anteriormente sujeita a uma operação de retirada de um tumor e com risco acrescido na realização do exame, também por causa da sua idade.
Responsabilizando o médico e o hospital pelo sucedido, a mulher recorreu a tribunal exigindo uma indemnização. Mas a ação foi julgada improcedente, decisão da qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação. Este condenou o médico e o hospital, bem como as respetivas seguradoras no pagamento de indemnizações à paciente, por danos patrimoniais e não patrimoniais, decisão da qual houve recurso para o STJ, interposto pelos herdeiros da paciente, que entretanto falecera.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ absolveu o hospital e a respetiva seguradora, mantendo a condenação do médico e da seguradora deste no pagamento da indemnização à paciente, ao decidir que, em caso de falta de consentimento devidamente informado da paciente para a realização do exame, o médico que realize uma colonoscopia da qual resulte a perfuração do intestino da paciente é responsável pelos danos que lhe tenha causado, estando obrigado a indemnizá-la.
A lei impõe, como condição da licitude da ingerência médica na integridade física dos pacientes, que estes consintam nessa ingerência e que esse consentimento seja prestado de forma esclarecida, isto é, estando cientes dos dados relevantes em função das circunstâncias do caso, entre os quais avulta a informação acerca dos riscos próprios de cada intervenção médica.
Estando em causa a realização de um exame de colonoscopia, sem função curativa, do qual nasce uma obrigação de resultado, que é a obtenção dos dados clínicos do exame, ocorrendo uma perfuração do cólon do paciente, sem que esteja em discussão o cumprimento do dever primário de prestação do médico mas apenas o cumprimento do dever acessório de, na realização do exame clinico, ser respeitada a integridade física daquele, podem ser seguidos dois entendimentos. Ou se entende que a ocorrência da perfuração basta para que se considere verificada a ilicitude, uma vez que uma lesão da integridade física do paciente, não exigida pelo cumprimento do contrato, implica a sua verificação, caso em que haverá que ponderar da exclusão da ilicitude pelo consentimento informado daquele quanto aos riscos próprios daquela colonoscopia. Ou, então, pode-se considerar que caberá ao paciente lesado provar a ilicitude da conduta do médico, isto é a falta de cumprimento do dever objetivo de diligência ou de cuidado, imposto pelas regras da profissão, dever que integra a necessidade de, no decurso da intervenção médica, tudo fazer para não afetar a integridade física do paciente, caso em que, mesmo não se provando a violação desse dever, ainda assim, sempre se terá de averiguar se foi devidamente cumprido o dever de informar o paciente dos riscos inerentes à intervenção médica e se este os aceitou.
No caso, tendo-se provado que os riscos de perfuração, embora raros, eram inerentes a um exame de colonoscopia, mesmo que corretamente executado, e que esses riscos eram agravados pelos antecedentes clínicos da paciente, ambas as conceções, ilicitude do resultado ou ilicitude da conduta, conduzirão a soluções convergentes, sendo fundamental apurar a existência ou não de consentimento devidamente informado por parte da paciente.
O facto de se ter provado que a paciente, antes da realização do exame, assinou um impresso do hospital intitulado consentimento informado, contendo uma declaração em que afirmava estar perfeitamente informada e consciente dos riscos, complicações ou sequelas que pudessem surgir, e ainda que conhecia os riscos inerentes à realização de um exame de colonoscopia, incluindo a possibilidade de perfuração, não é suficiente para preencher as exigências do consentimento devidamente informado uma vez que, no caso, sendo os riscos de perfuração superiores ao normal devido à idade e aos antecedentes clínicos da paciente, era imperativo que fosse feita prova de que ela fora informada desses mesmos riscos acrescidos.
Tendo havido violação do dever de esclarecimento do paciente, com consequências laterais desvantajosas, resultantes da perfuração do cólon, e com agravamento do seu estado de saúde, os bens jurídicos protegidos são a liberdade e a integridade física e moral, e os danos ressarcíveis tanto são os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais.
Por conseguinte, quer se siga a conceção da ilicitude do resultado quer a concepção da ilicitude da conduta, o médico e a respetiva seguradora estão solidariamente obrigados a reparar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela paciente com fundamento na falta de consentimento devidamente informado para a realização da colonoscopia.
E estando provada a existência de uma relação contratual entre a paciente e o médico, tendo por objeto a prestação dos serviços especificamente médicos, e uma outra relação contratual estabelecida entre a paciente e o hospital, que não envolve a prestação de serviços médicos em sentido estrito, está-se perante uma situação de contrato dividido ou autónomo, pelo que, tendo-se concluído pela responsabilidade do médico com fundamento na falta de consentimento devidamente informado da paciente, não pode responsabilizar-se o hospital pela conduta desse mesmo médico.
Via | LexPoint
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1, de 22 de março de 2018
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