O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que deve ser admitida a revisão de escritura pública de união estável realizada no Brasil.
O caso
Um casal, ele português e ela brasileira, requereu a confirmação da escritura pública de união estável que tinham outorgado em 2016, no Brasil, para formalizarem a sua união. Nessa escritura declararam viver sob o regime de convivência familiar, sob o mesmo teto, como se casados fossem há 17 anos, fixando o regime da separação de bens.
O Ministério Público (MP), baseado em decisões anteriores, pronunciou-se defendendo o indeferimento do pedido uma vez que o documento não continha nenhuma decisão nem declaração da entidade administrativa que lavrara a escritura pública que atestasse os factos nela descritos, pelo que não se mostravam verificados os pressupostos de revisão de sentença estrangeira.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou procedente o pedido de revisão, confirmando a escritura pública de União Estável lavrada no Brasil.
Na ordem jurídica brasileira a união estável é erigida à qualidade de entidade familiar, podendo ser constituída por escritura pública perante tabelião de notas, constituindo essa escritura um verdadeiro contrato, designadamente com disposições sobre as relações patrimoniais entre os companheiros, que pode ser objeto de registo, colhendo então efeitos perante terceiros. Sendo que a lei processual brasileira equipara a extinção consensual da união estável aos casos de divórcio consensual, podendo efetuar-se todos por escritura pública, a qual não depende de homologação judicial.
Ora, à nossa ordem jurídica não é estranha a noção de um órgão jurisdicional que consista em profissional do direito que aja sob o controlo de um tribunal, desde que ofereça garantias no que respeita à sua imparcialidade e ao direito de todas as partes a serem ouvidas, e desde que as suas decisões possam ser objeto de controlo por um tribunal e tenham força e efeitos equivalentes aos de uma decisão de um tribunal na mesma matéria.
Assim, sendo admissível a formalização da união estável no Brasil através de escritura pública perante tabelião, a intervenção e controle feitos por este consubstanciam a intervenção de uma entidade administrativa que cauciona o ato, ao qual são atribuídos efeitos pela ordem jurídica brasileira. Sendo ainda uma intervenção integrante de uma função pública transferida pelo Estado, assumindo a intervenção do notário a natureza de caucionamento do ato em causa.
Essa intervenção notarial permite que o ato despolete efeitos na ordem jurídica brasileira, tal como se tivesse sido objeto de declaração judicial, estando mesmo a atividade notarial sujeito à fiscalização do poder judiciário.
Como tal, a outorga da escritura de união estável perante o notário, a função deste e o controlo da atividade notarial pelos tribunais no Brasil são suscetíveis de equivaler aos requisitos de ato jurisdicional, suscetível de reconhecimento, pelo que deve ser admitida e não rejeitada à partida a revisão de escritura pública de união estável realizada no Brasil, para produção de efeitos em Portugal.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 1807/19.0YRLSB-7, de 11 de dezembro de 2019
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