O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que, no confronto entre direitos de personalidade e o direito de livre iniciativa económica, deve, por regra, prevalecer o primeiro, mas preservando o segundo, na medida do possível e com respeito pelo princípio da proporcionalidade.

O caso

Um casal vizinho de uma fábrica têxtil intentou uma ação contra a empresa proprietária desta pedindo para que fosse condenada a encerrar as instalações fabris, com fundamento na falta de licença para a sua ampliação, ou a não laborar nas mesmas ou, pelo menos, a eliminar ou reduzir para valores legalmente admissíveis os níveis de ruído e vibração causados na sua habitação. O casal pediu ainda uma indemnização pelos danos sofridos.

Para o efeito alegou que a fábrica provocava na sua habitação um ruído e vibrações permanentes que não só tinham causado danos nas paredes da casa como também os impedia de levar uma vida normal, designadamente, de dormirem e descansarem, o que lhes causara um enorme desgosto, irritação e nervosismo, afetando a sua saúde psicológica e física, assim como do seu agregado familiar.

O tribunal condenou a empresa a cessar a sua atividade no período noturno, entre as 22h00 e as 06h00, e ao domingo, e a indemnizar cada um dos autores em 10.000 euros, a título de danos não patrimoniais. Desta decisão recorreram ambas as partes para o TRG, a sociedade pedindo a sua absolvição e o casal exigindo o encerramento das instalações e uma indemnização de valor superior.

Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães

O TRG julgou improcedentes os recursos ao decidir que, no confronto entre direitos de personalidade e o direito de livre iniciativa económica, deve, por regra, prevalecer o primeiro, mas preservando o segundo, na medida do possível e com respeito pelo princípio da proporcionalidade.

Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, diz a lei que devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer deles. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que, nas circunstâncias concretas, deva considerar-se superior.

Não obstante, as restrições impostas devem limitar-se ao necessário para a salvaguarda dos outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

É, aliás, o que decorre da Constituição, quando consagra o princípio da proporcionalidade.

Nesse sentido, o sacrifício e compressão do direito inferior apenas deverá ocorrer se e na medida adequada e proporcional à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante.

No caso, os autores gozam de direitos de personalidade na sua vertente do direito à saúde, ao repouso e à qualidade de vida, que são postos em causa pelas vibrações e ruído causado pela fábrica, sendo para o efeito indiferente o facto desse ruído estar dentro dos limites regulamentares. Direitos esses que devem prevalecer sobre o direito de iniciativa económica da sociedade proprietária da fábrica. Mas esse predomínio não pode ser absoluto.

Se o que importa essencialmente preservar no caso concreto é o direito ao repouso dos autores, e sendo esse direito, por regra, exercitado essencialmente durante a noite e pelo menos num dia ao fim de semana, correspondente ao dia de descanso semanal, que, normalmente, coincide com o domingo, deve a restrição do direito de livre iniciativa económica ser limitado apenas a esses momentos, com proibição de atividade durante os mesmos.

Embora durante os dias de trabalho se mantenham os ruídos e vibrações, não existe justificação para arredar por completo o direito da sociedade e decretar o encerramento da fábrica.

Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 3499/11.6TJVNF.G1, de 8 de fevereiro de 2018   

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