O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que para que se possa declarar que o saldo de uma conta bancária titulada por um só cônjuge, casado no regime de comunhão de adquiridos, é bem próprio do mesmo é necessário que este ilida a presunção de comunhão, visto que a titularidade de uma conta não predetermina a propriedade dos fundos nela depositados.
O caso
Um casal adquiriu um imóvel em 2002 declarando que parte do preço tinha sido pago com dinheiro que a mulher tinha numa conta emigrante. Em 2012 o casal divorciou-se, tendo a mulher recorrido a tribunal pedindo para que se reconhecesse que esse montante utilizado na compra do imóvel era um bem próprio seu e o seu direito a um crédito correspondente de compensação sobre o património comum do extinto casal. O tribunal julgou a ação integralmente procedente, decisão da qual o ex-marido recorreu para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou procedente o recurso, revogando a sentença e absolvendo o réu do pedido, ao decidir que, para que se possa declarar que o saldo de uma conta bancária titulada por um só cônjuge, casado no regime de comunhão de adquiridos, é bem próprio do mesmo é necessário que este ilida a presunção de comunhão, visto que a titularidade de uma conta não predetermina a propriedade dos fundos nela depositados.
Segundo o TRG, os fundos depositados numa conta bancária podem pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até a um terceiro. Não se podendo, pois, confundir a titularidade de uma conta com a propriedade dos valores ou montantes nela depositadas.
Existe a presunção, judicial, de que haverá uma coincidência entre a titularidade da conta e a obtenção dos valores nela depositados, por corresponder estatisticamente à normalidade das situações, não sendo de esperar, salvo em circunstâncias excecionais, que quem colhe tais quantias, em seu nome, as deposite ou permita que sejam depositadas na conta de outrem, da qual não teria a disponibilidade.
Assim, é de presumir que as quantias depositadas em nome da autora foram obtidas por esta, mas tal não permite concluir que as mesmas integrassem o seu património próprio e não o património comum do extinto casal.
Sendo o regime do casamento o da comunhão de adquiridos, a par do património próprio de cada um dos cônjuges cria-se um novo património comum, constituído pelos bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei. Sendo que, quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns.
Assim, presumindo-se que efetivamente a autora adquiriu os montantes que depositou, não pode presumir-se que esses valores integrem o seu património próprio, porquanto a regra é que pertencem ao património comum do casal. Com efeito, sendo o regime de bens do casamento a comunhão de bens adquiridos, e não se tendo provado que as quantias em causa tivessem sido por ele trazidas para o casamento, nem que fossem resultado da alienação de seus bens próprios, o saldo da conta bancária presume-se igualmente bem comum.
Sendo que o facto de se ter feito constar na escritura de compra que parte do preço tinha sido pago com dinheiro que ela, como emigrante, tinha depositado numa conta emigrante não permite concluir que se tratasse de bem próprio, mas apenas que, para efeitos de isenção da então SISA, ela obtivera essa quantia na qualidade de emigrante e a depositara numa conta emigrante.
Desta forma, não é possível considerar que os valores utilizados no pagamento do preço do imóvel adquirido por escritura pública provenientes da conta titulada pela autora constituíssem bem próprio, tendo que improceder o pedido e o respetivo recurso.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 264/17.0T8FAF.G1, de 23 de janeiro de 2020
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