O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que o contrato de seguro desportivo cuja cobertura abranja, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e, por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, contempla o ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais.
O caso
Um jovem futebolista amador de 14 anos de idade, inscrito num clube no escalão de iniciados, escorregou no balneário, depois do jogo e ao sair do duche, caindo de costas e embatendo com violência com o pé direito no vidro da porta do WC, atravessando-o e cortando-se. Os ferimentos obrigaram a que fosse operado e fizesse fisioterapia, tendo o atleta ficado com sequelas e limitações irreversíveis a nível de mobilidade que levaram a que lhe fosse fixada uma incapacidade permanente parcial de 8%.
O acidente foi participado à seguradora, tendo o atleta recorrido a tribunal pedindo para que a seguradora e a associação de futebol da qual fazia parte o clube fossem condenados a pagar-lhe os 180 euros que tinha gasto em consultas posteriores e uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 40.000 euros. A seguradora defendeu-se alegando que a apólice de seguro excluía a indemnização por invalidez permanente igual ou inferior a 10%, assim como pelos danos não patrimoniais, tendo a associação de futebol alegado ser parte ilegítima na ação, porque tinha transferido a sua responsabilidade para a seguradora. O clube de futebol foi chamado a intervir na ação, a qual terminou com a condenação da seguradora no pagamento de 3.393,94 euros a título de capital pela incapacidade do atleta, e de 80 euros a título de reembolso das despesas de saúde, tendo o tribunal considerado que o seguro não abrangia as consequências não patrimoniais sofridas pelo lesado. Desta decisão, quer o atleta, quer a seguradora, recorreram para o TRE.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE, embora considerando que o seguro em causa abrangia os danos sofridos a nível patrimonial e não patrimonial, julgou improcedente o recurso do atleta e procedente o recurso da seguradora, revogando a decisão recorrida e condenando esta última a pagar apenas a quantia de 2.240 euros a título do capital devido pela invalidez permanente de 8 pontos, sofrida em consequência do acidente.
Decidiu o TRE que o contrato de seguro desportivo cuja cobertura abranja, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e, por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, contempla o ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Embora o entendimento não seja uniforme, a jurisprudência tem reconhecido que, não distinguindo a lei entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial, também não deve o intérprete fazer tal distinção, sob pena de subversão do espírito do legislador, sendo, por isso, de concluir que o seguro desportivo obrigatório contempla o ressarcimento dos danos em qualquer dessas vertentes.
No entanto, entendeu o TRE que tal conclusão em nada influía para efeitos de contabilização do montante a fixar como ressarcimento dos danos sofridos pelo atleta. Isto porque embora a cobertura do seguro assegure o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais, esse ressarcimento não pode deixar de ser efetuado em conformidade como o que esteja pré-determinado na apólice do seguro desportivo. Sendo que o contrato pode garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efetivo montante do dano e prestações de natureza indemnizatória.
Ora, na lei as coberturas mínimas do seguro por morte ou por invalidez permanente encontram-se configuradas como prestações de capital predeterminadas em função exclusiva da natureza dessas lesões, devendo ainda a invalidez permanente parcial ser ponderada pelo grau de incapacidade que for fixado. De onde resulta que essas coberturas se traduzem numa obrigação de prestação convencionada independente do valor do dano efetivo e não como prestação indemnizatória propriamente dita. Assim sendo, a determinação do quantitativo da atribuição patrimonial devida à pessoa segura em função do sinistro está estritamente correlacionada com o grau de invalidez de que a mesma ficou a padecer em consequência desse evento, sendo este o único fator a atender. Não se podendo ter por compreendida no capital por invalidez permanente, além da estrita indemnização correspondente à percentagem da perda de capacidade aquisitiva, a indemnização por danos não patrimoniais.
Em suma, a garantia do capital mínimo pela cobertura do contrato de seguro desportivo obrigatório para os casos de invalidez permanente do sinistrado, absoluta ou parcial, estabelecida na lei de forma taxativa, com a ponderação ainda do grau de incapacidade fixado, no caso de invalidez parcial, insere-se perfeitamente no quadro do contrato de seguro de acidentes pessoais na modalidade de prestações de valor predeterminado não dependente do montante efetivo do dano.
No caso, o contrato de seguro desportivo de grupo garantia, em caso de invalidez permanente, a cobertura de 28.000 euros, por acidente, em função do grau de desvalorização sofrido pelo sinistrado, o que condiz com o critério objetivo imperativamente consagrado na lei. Assim, independentemente da natureza patrimonial ou não patrimonial dos danos sofridos pelo atleta em consequência do acidente e do reflexo, no âmbito da sua vida pessoal ou profissional, do défice funcional referente a uma desvalorização de 8%, impõe-se arbitrar uma indemnização na proporção desse grau de incapacidade sobre o valor do capital garantido, o que equivale a 2.240 euros.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 8818/17.9T8STB.E1, de 30 de janeiro de 2020
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