O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que constitui trabalho suplementar o tempo despendido em viagens durante os dias de descanso do trabalhador, em carrinha da empregadora, nas condições de tempo e lugar por esta determinadas e com ligação à prestação do trabalho. No entanto, a sua falta de pagamento durante vários anos, sem qualquer reclamação do trabalhador e sem pôr em causa a sobrevivência ou satisfação das necessidades deste e do seu agregado familiar, não constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho, porque não torna impossível a manutenção da relação laboral.
O caso:
Um motorista de camiões TIR rescindiu o seu contrato de trabalhado alegando justa causa devido à falta de pagamento da totalidade da retribuição a que considerava ter direito.
Em causa estava a não consideração nos subsídios de férias da retribuição mensal prevista no contrato coletivo de trabalho de valor não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, e o não pagamento do trabalho suplementar prestado em dias de descanso, durante cerca de três anos e oito meses.
Trabalho suplementar esse que, no entender do motorista, devia ser considerado prestado durante o tempo que, aos fins de semana e para vir passá-los em casa, demorava a sua viagem, em transporte fornecido pela empresa, entre o seu local de trabalho, em Espanha, e a sua residência em Portugal.
Em consequência da resolução do contrato, o trabalhador recorreu a tribunal exigindo o pagamento da correspondente indemnização e dos demais créditos laborais.
O tribunal julgou lícita a resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador e condenou a empregadora, e as demais empresas do grupo, a pagarem-lhe uma indemnização por antiguidade e os restantes créditos laborais.
Inconformadas, as empresas recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra pondo em causa a existência de trabalho suplementar e de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra:
O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) concedeu parcial provimento ao recurso, confirmando que constitui trabalho suplementar o tempo despendido em viagens entre Portugal e Espanha e vice-versa durante os dias de descanso do trabalhador, em carrinha da empregadora, nas condições de tempo e lugar por esta determinadas e com ligação à prestação do trabalho.
Porém, entendeu o TRC que a falta de pagamento desse trabalho suplementar e a não consideração nos subsídios de férias da retribuição mensal prevista no contrato coletivo de trabalho, durante cerca de três anos e oito meses, sem qualquer reclamação do trabalhador e sem pôr em causa a sobrevivência ou satisfação das necessidades deste e do seu agregado familiar, não torna impossível a manutenção da relação laboral, não constituindo, por isso, justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Segundo o TRC, a linha de fronteira entre o tempo de trabalho e o tempo de descanso situa-se naquele momento em que o trabalhador adquire o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada.
Sendo o elemento essencial para a definição de um contrato de trabalho a posição de subordinação jurídica em que o trabalhador se encontra perante o empregador, no lapso de tempo em que aquele estiver numa posição de subordinação jurídica, deve considerar-se que está a cumprir um horário de trabalho.
Pelo que, sendo o tempo gasto com as deslocações aos sábados e domingos, para permitir que viesse passar o fim de semana a casa, um tempo consumido por motivo ligado à prestação do trabalho, estando o trabalhador dependente, durante esse tempo, do transporte organizado pela empregadora e sob as ordens da mesma, deve o mesmo ser considerado como tempo adstrito com a prestação do trabalho e, como tal, trabalho suplementar remunerável.
Não sendo pago em conformidade, essa falta de pagamento pontual da retribuição, quando se prolongue por mais de 60 dias, considera-se culposa e constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador.
Porém, tal não é suficiente para que o trabalhador possa resolver o contrato com fundamento em justa causa. Para que tal aconteça é ainda necessário que essa conduta do empregador torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
O que não acontece quando a falta de pagamento se tenha prolongado por de cerca de três anos e oito meses, sem qualquer reclamação do trabalhador e sem pôr em causa o seu sustento e sobrevivência.
Via | LexPoint
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