O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que não pode um dos membros da união de facto, depois de esta ter terminado, exigir do outro, com fundamento em enriquecimento sem causa, a restituição dos montantes com que, ao longo de apenas sete anos, contribuiu para o pagamento do empréstimo contraído para compra da casa de morada de família na qual residiu durante 18 anos.
O caso
Depois de ter vivido cerca de 24 anos em união de facto com a sua companheira, um homem agiu judicialmente contra a mesma exigindo o pagamento das quantias com que, durante sete anos, tinha contribuído para o pagamento do empréstimo bancário que ela tinha contraído para a compra de um imóvel, apenas em nome dela, no qual ambos tinham vivido. Quantias essas que, segundo ele, totalizavam o montante de 56.930 euros.
O tribunal fixou em 13.110 euros o valor que ela tinha a pagar-lhe, decisão da qual ela recorreu para o TRE, alegando que as contribuições efetuadas correspondiam a contributos normais para o sustento do agregado familiar, sem direito a qualquer restituição.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE julgou procedente o recurso, revogando a sentença e absolvendo a ré, ao decidir que não pode um dos membros da união de facto, depois de esta ter terminado, exigir do outro, com fundamento em enriquecimento sem causa, a restituição dos montantes com que, ao longo de apenas sete anos, contribuiu para o pagamento do empréstimo contraído para compra da casa de morada de família na qual residiu durante 18 anos.
Quando, em ação declarativa de condenação, o membro da união de facto que se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição tenha participado peça a condenação do outro a reembolsá-lo com fundamento no enriquecimento sem causa, o mesmo terá de provar os factos que permitam preencher os requisitos desse instituto, isto é, terá de provar que se verificou um enriquecimento, sem causa justificativa, obtido à sua custa.
Nesse âmbito, os valores despendidos por cada um dos membros da união de facto com vista à respetiva contribuição para as despesas correntes e normais do agregado familiar não são restituíveis, pois representam o cumprimento de obrigações naturais. Não se enquadram, porém, nessa categoria de despesas o pagamento de encargos, prestações incluídas, de um mútuo bancário contraído exclusivamente por um dos membros do casal com vista à aquisição de um imóvel também propriedade apenas desse membro do casal, ainda que o imóvel seja o centro da vida doméstica de ambos, em relação às quais é possível exigir essa restituição.
Não obstante, ainda que o autor tenha contribuído para o pagamento do empréstimo bancário, não é possível falar em enriquecimento sem causa quando o tenha feito apenas durante pouco mais de sete anos, durante os cerca de 18 em que o imóvel foi casa de morada de família. De onde resulta que ele fruiu da casa durante 11 anos sem qualquer custo para si próprio, sendo que na avaliação do alegado ganho patrimonial não se pode atender apenas a uma deslocação patrimonial em concreto, no caso à comparticipação financeira para a amortização do contrato de mútuo, havendo que ponderar o conjunto das relações patrimoniais mantidas entre os dois membros da união de facto.
Mas, ainda que assim não se entendesse, sempre a ação teria de improceder por não estar verificada a ausência de causa justificativa do enriquecimento, uma vez que para essa verificação não basta a cessação da união de facto, sendo necessário que o autor alegue e prove que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência dessa união de facto, e não, como no caso, que o fez convicto de que a dívida era de ambos.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 2052/18.8T8PTM.E1, de 21 de novembro de 2019
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