O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que comete os crimes de acesso ilegítimo e de dano relativo a dados ou programas informáticos quem acede às contas de correio eletrónico de menores, para se fazer passar por elas e beneficiar da confiança existente entre os contactos das mesmas, vedando-lhes o acesso a essas contas, com a intenção de assim as obrigar a agir de forma a dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, ou a puni-las por não acederem aos seus desejos.
O caso
Em agosto de 2009, um homem, servindo-se dos seus conhecimentos informáticos, conseguiu obter o endereço eletrónico de várias menores, então com idades entre os 12 e os 13 anos, e, tomando posse dos mesmos, alterando as respetivas palavras-chave e vendando-lhes o acesso às contas, encetar conversações com os respetivos contactos, fazendo-se passar por elas, até convencer duas delas a despirem-se frente à câmara, uma sob ameaça de fazer circular junto dos seus amigos rumores de que a mesma era uma puta, gravando as imagens e divulgando-as num site de cariz pornográfico, bem como no Facebook.
Em resultado, foi condenado a cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de crimes de acesso ilegítimo, de dano relativo a dados ou programas informáticos, de dois crimes de devassa da vida privada, de dois crimes de pornografia de menores agravado e de um crime de coação. Discordando dessa condenação, recorreu para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL confirmou a condenação ao decidir que comete os crimes de acesso ilegítimo e de dano relativo a dados ou programas informáticos quem acede às contas de correio eletrónico de menores, para se fazer passar por elas e beneficiar da confiança existente entre os contactos das mesmas, vedando-lhes o acesso a essas contas, com a intenção de assim as obrigar a agir de forma dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, ou a puni-las por não acederem aos seus desejos.
Diz a lei, em matéria de dano relativo a dados ou programas informáticos, que quem, sem para tanto estar autorizado, e atuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo para si ou para terceiros, apagar, destruir, no todo ou em parte, danificar, suprimir ou tornar não utilizáveis dados ou programas informáticos alheios ou, por qualquer forma, lhes afectar a capacidade de uso será punido com pena de prisão até três anos ou pena de multa. E em matéria de acesso ilegítimo, que quem, não estando para tanto autorizado e com a intenção de alcançar, para si ou para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos, de qualquer modo aceder a um sistema ou rede informáticos será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Ora, aceder às contas de correio eletrónico para se apresentar perante terceiros como se se tratasse das menores titulares dessas mesmas contas e beneficiar da confiança existente entre os contactos das mesmas, basta para se considerar verificada a intenção de alcançar, para si, um benefício ou vantagem ilegítimos, relativamente ao crime de acesso ilegítimo.
E também vedar o acesso da vítima à sua própria conta de correio eletrónico, com a intenção de assim a obrigar a agir de forma dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, ou a puni-la por não aceder aos seus desejos, basta para se considerarem verificadas as intenções de lhe causar prejuízo e de obter um benefício ilegítimo, relativamente ao crime de dano relativo a dados ou programas informáticos.
Pelo que, estando preenchidos os elementos subjetivos de ambos os crimes, não pode deixar de improceder o recurso interposto e de ser confirmada a condenação.
Quanto ao crime de coação, estando em causa uma menor de 13 anos de idade, propalar que a mesma é uma puta constitui uma ameaça com um mal importante, para efeitos de preenchimento do elemento objetivo do crime.
Relativamente à prova, o TRL afirmou que saber se determinadas contas de correio eletrónico ficaram inacessíveis ou não utilizáveis não requer qualquer especial conhecimento técnico ou científico que justifique a produção de prova pericial, bastando que os seus utilizadores deixem de poder a elas aceder, facto que pode ser demonstrado através de qualquer meio de prova, nomeadamente o testemunhal. Sendo que a falta de produção de prova pericial quando a mesma seja obrigatória, constitui nulidade sanável ou irregularidade, ficando sanada quando não tenha sido tempestivamente arguida.
Via| LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 1429/09.4JDLSB.L2-9, de 27 de junho de 2019
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