O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que não é solidária a responsabilidade do banco pela realização fraudulenta de transferências bancárias através do sistema de banca eletrónica e a responsabilidade dos destinatários dessas mesmas transferências.
O caso
O cliente de um banco constatou o desaparecimento de dinheiro depositado nas suas contas devido à realização não autorizada de transferências bancárias efetuadas através do serviço online do banco, com a introdução correta dos dados de acesso e da respetiva password, confirmados pela inserção de um código numérico, enviado por SMS para o telemóvel associado ao contrato.
O banco rejeitou qualquer responsabilidade pelo sucedido, bem como o reembolso das importâncias movimentadas, imputando essa responsabilidade ao cliente.
Tendo-se mais tarde constatado, face à existência de registo diversas chamadas de zero minutos para números de telefone na Rússia e na Ucrânia, que as transferências podiam ter resultado de uma qualquer infeção ou vírus direcionado para uma aplicação instalada no telemóvel do cliente, que teria permitido o posterior acesso aos seus dados bancários. E que os destinatários iniciais das mesmas tinham sido alegadamente enganados e levados a aceitar o depósito desses montantes com instruções para os transferirem depois para a Rússia, pensando, de forma crédula, que o estavam a fazer legalmente, como vencedores de um prémio ou ao abrigo de uma relação laboral.
O cliente recorreu, então, a tribunal, o qual condenou solidariamente o banco e os destinatários das transferências a restituírem os valores devidos ao cliente e a indemnizá-lo pelos danos sofridos. Inconformados com essa decisão, o banco e um dos destinatários das transferências recorreram para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou improcedente o recurso do banco, julgando parcialmente procedente o recurso do outro réu, considerando que existira erro na condenação solidária dos réus.
Decidiu o TRL que não é solidária a responsabilidade do banco pela realização fraudulenta de transferências bancárias através do sistema de banca eletrónica e a responsabilidade dos destinatários dessas mesmas transferências.
Só existe responsabilidade solidária dos devedores quando tal resulte da vontade das partes ou da lei. Assim, só poderia existir responsabilidade solidária entre o banco e os destinatários das transferências fraudulentas se se concluísse que, para além da responsabilidade contratual resultante da celebração do contrato de prestação de serviços de banca eletrónica, o banco assumia também uma responsabilidade extracontratual por facto ilícito nesse tipo de operações bancárias ou pelo risco, ou seja, que a atuação do banco se encontrava numa qualquer relação de comitente ou comissário com os restantes réus pessoas singulares e que a responsabilidade destes também se pudesse subsumir, no caso concreto, à responsabilidade pelo risco.
Não se trata, também, de uma obrigação plural, em primeiro lugar porque a lei impõe ao banco a obrigação de reposição imediata das quantias retiradas da conta apenas com base na relação contratual estabelecida pelo mesmo com o cliente, enquanto que aos outros réus que se apropriaram indevidamente daquelas quantias que lhes foram transferidas nada existe que permita interliga-los numa qualquer responsabilidade contratual, extracontratual ou pelo risco.
Também no que toca à condenação dos réus no pagamento do montante dos danos não patrimoniais as ilicitudes que a justificam têm fontes diferentes. No caso do banco ela resulta dessa relação contratual e do dispositivo legal que impõe a reposição imediata da quantia monetária. Já em relação aos destinatários das transferências, essa ilicitude é extracontratual e repousa na não restituição imediata das quantias de que se apropriaram indevidamente, inexistindo, por isso, solidariedade passiva.
Não sendo plausível, para efeitos de diminuição da culpa destes, que alguém acredite que um banco central de um país contratasse um mero estudante, pagando-lhe para receber transferências bancárias e para depois transferir os montantes assim recebidos para uma entidade exterior ao território nacional, que desconhecia em absoluto quem fosse e a comando da mesma. A aceitação de tal proposta evidência, no mínimo, uma negligência manifestamente grosseira, pelo que nenhuma razão existe para que equitativamente se reduza o montante das quantias que tendo recebido na sua conta bancária e sabia não serem suas decidiu transferir para entidades terceiras que pelo menos deveria desconfiar não ser em as pessoas que diziam ser.
Quanto à responsabilidade do banco, este responde pelo risco de funcionamento deficiente ou inseguro do sistema, incumbindo-lhe a responsabilidade por operações não autorizadas nem devidas a causa imputável ao cliente. Para o efeito, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento não é necessariamente suficiente para provar que a operação foi autorizada pelo ordenante e que este agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente, ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações contratuais, recaindo sobre o banco a prova, não só da não ocorrência de qualquer avaria técnica e de que a operação foi autenticada e devidamente registada e contabilizada, mas também do incumprimento do contrato, negligente ou sobretudo deliberado ou fraudulento, imputável ao seu cliente.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 8903/15.1T8LSB.L1-2, de 10 de maio de 2018
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