O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que os direitos à reparação ou à substituição previstos em matéria de defesa dos consumidores não constituem uma pura alternativa ou opção oferecida ao comprador, antes se encontrando subordinados a uma sequência lógica.
O caso
Um homem adquiriu por 15.000 euros um automóvel usado junto de um stand de automóveis. O veículo foi vendido com 96.000 km, tendo os vendedores garantido que o mesmo tinha sido sujeito a uma rigorosa inspeção na oficina e que se encontrava em ótimas condições de funcionamento. Porém, logo após o início da sua utilização, o veículo apresentou defeitos e problemas mecânicos, tendo avariado.
Ao colocar o automóvel numa oficina para reparação, o comprador descobriu que, além de ter mais quilómetros do que os indicados, a viatura não dispunha do filtro de partículas, mas apenas da respetiva carcaça, e que era necessário proceder à atualização do respetivo software e à substituição da corrente de distribuição e da bomba de óleo que estavam danificadas.
O comprador denunciou esses defeitos ao vendedor, o qual se recusou a fazer qualquer reparação, obrigando-o a suportar os custos da mesma, tendo depois recorrido a tribunal pedindo para que negócio fosse anulado ou, subsidiariamente, para que o preço do mesmo fosse reduzido para 5.500 euros.
O tribunal deu como provada a existência dos defeitos, condenando o stand a pagar a quantia de 826,03 euros, acrescida do montante que viesse a ser liquidado como adequado, a título de redução do preço, decisão da qual foi interposto recurso para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG negou provimento ao recurso ao decidir que os direitos à reparação ou à substituição previstos em matéria de defesa dos consumidores não constituem uma pura alternativa ou opção oferecida ao comprador, antes se encontrando subordinados a uma sequência lógica.
O cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda de consumo confere, ao consumidor, os direitos à reposição da conformidade, por substituição ou reparação do bem, à redução do preço ou à resolução do contrato, sendo que pode escolher qualquer um destes direitos, livremente, estando apenas limitado pelo princípio da boa-fé, para evitar o exercício abusivo desses direitos, não estando sujeito a qualquer hierarquia.
Não obstante, esses direitos encontram-se subordinados a uma sequência lógica. Ou seja, no caso de compra e venda de automóvel defeituoso, primeiro, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito e só não sendo possível ou apresentando-se demasiado onerosa a reparação, é que fica obrigado à substituição da viatura por outra da mesma marca e modelo.
Verifica-se, assim, uma prevalência da reparação ou substituição face à redução do preço ou à resolução do contrato, tendo o consumidor o poder-dever de seguir primeiramente e preferencialmente a via da reposição da conformidade devida, através da reparação ou substituição da coisa, sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou da resolução do contrato.
Pelo que, não se tendo demonstrado que a reparação era impossível ou demasiado onerosa, estava o vendedor adstrito a eliminar o defeito da coisa, pois que, apenas não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, estaria obrigado a substituir a viatura vendida, o que no caso não ocorre, visto essa eliminação ser possível e não acentuadamente onerosa.
Como tal, ante a recusa da reparação dos defeitos por parte do vendedor, agiu corretamente o comprador ao ordenar ele próprio essa reparação, por forma a possibilitar a circulação e utilização do mesmo, do qual necessitava, não podendo ser-lhe exigido ou obrigá-lo a dar uma nova oportunidade de reparação ao vendedor mas sim consentido que possa ele próprio resolver a situação, evitando maiores prejuízos, nem que, a cada novo defeito que surja, dê sempre oportunidade ao vendedor de o reparar.
Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 1213/17.1T8BGC.G1, de 20 de fevereiro de 2020
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