O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que não constitui elemento do tipo legal do crime de violência doméstica que a ofendida esteja numa posição de inferioridade ou de dependência em relação ao agressor.
O caso
Depois do fim de uma relação de namoro que durou cerca de cinco anos, durante os quais o casal nunca viveu junto, o homem não aceitou que ela iniciasse um novo relacionamento e começou a persegui-la.
Fê-lo telefonando-lhe quase diariamente e inúmeras vezes ao longo do dia e durante a noite, enviando-lhe também mensagens escritas para o telemóvel, ofendendo-a e ameaçando-a. Começou também a passar de carro junto à casa dela, bem como a ficar na rua a observar e a ver as suas rotinas e a perseguir e a importunar o novo casal quando estavam juntos, de forma constante e em diversas ocasiões.
Comportamento que levou a mulher a apresentar queixa contra o antigo namorado, o qual acabou por ser condenado por crime de violência doméstica a um ano e onze meses de prisão, suspensa na sua execução, e no pagamento de uma indemnização.
Discordando da condenação, o arguido recorreu para o TRE defendendo que os factos provados não preenchiam todos os elementos típicos do crime de violências doméstica, uma vez que a ex-namorada não estava numa posição de inferioridade ou de dependência em relação a ele.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE negou provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo na íntegra a sentença condenatória, ao decidir que não constitui elemento do tipo legal do crime de violência doméstica que a ofendida esteja numa posição de inferioridade ou de dependência em relação ao agressor.
Segundo o TRE, embora a existência de uma relação de subordinação existencial constitua uma realidade sociológica presente em muitas das situações de violência doméstica previstas na lei, isso não significa que as esgote ou que constitua elemento típico de cuja demonstração dependa a responsabilidade penal do agente.
O alargamento, em 2013, da punição prevista na lei aos casos em que o crime é praticado por quem tenha mantido com a vítima relação de namoro, independentemente de coabitação, visa antes proteger a vítima contra atos de violência contrários à confiança num comportamento de respeito e abstenção de atos violadores da integridade pessoal do ex-parceiro, incluindo as vítimas de perseguição, em que o ex-namorado assume comportamentos retaliatórios e fortemente perturbadores da paz do ex-parceiro por não se conformar com o fim da relação ou com a assunção de uma relação amorosa com outra pessoa.
Não está, nem tem que estar, em causa qualquer relação de subordinação existencial entre agente e vítima que enquadre o comportamento ilícito daquele, mas antes uma relação que a assistente quer ver efetivamente terminada, mas que o arguido não quer deixar terminar, forçando o seu prolongamento através de atos que colocam em perigo a saúde física e mental da vítima.
Demonstrada exuberantemente a prática de maus tratos psíquicos à assistente por parte do arguido, através da sua constante perseguição e perturbação, nada há a censurar na decisão que considerou preenchido o tipo de violência doméstica e condenou o arguido.
Via | LexPoint
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